O encontro entre os irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia com Gal Costa e Gilberto Gil, aconteceu bem antes da fama que os consagraria para sempre na história da MPB. Os contrastes das personalidades, vozes e estilos, construíam inexplicavelmente, uma unidade que nos primeiros dez anos de suas carreiras, foram afunilando de forma tão delineadamente explícita, tornando-os quadrigêmeos siameses.
Vindos da Bahia, percorreram um longo caminho, marcado pelo talento e sucesso; pelos estigmas da ditadura militar e da moral vigente; pela quebra da estética da música brasileira; pela angústia do exílio, e, pela consolidação de quatro sólidas carreiras individuais. Separados pela efervescência da Tropicália, os quatro só se iriam reunir outra vez, em 1976, formando os Doces Bárbaros.
Momento conturbado e genial da carreira de Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil – os Doces Bárbaros -, encontro meteórico, mas definitivo, deixou o legado de um álbum duplo ao vivo, um filme, um compacto duplo gravado em estúdio, e a memória de um grande espetáculo, que mesmo decepado no auge com a prisão de Gilberto Gil, não perdeu a sua eloqüência e magnificência histórica, teatral e musical.
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Doces Bárbaros”, álbum duplo de 1976, traz uma gravação ao vivo precária, com grande deficiência técnica, sem que se lhe tire o registro daquele momento sublime. Na época do lançamento não foi bem compreendido pela crítica e pelo público, que não percebiam a unidade invisível do disco, posto que cada artista manteve a sua característica, fazendo dos contrastes a genialidade que só o tempo pôde decifrar. As faixas trazem o último fôlego tardio da era “
flower power”; o sincretismo religioso dos baianos; o rock diluído da Tropicália; canções do amor extremado; tudo reunido de forma alegre, lúdica e quase circense. É um momento raro da MPB, em que se constrói um estilo que une a década de 1960 com a de 1970, introduzindo o que se iria ver na década seguinte, onde a MPB tornar-se-ia uma voz feminina através do canto de Maria Bethânia e Gal Costa; e Caetano Veloso e Gilberto Gil cravando definitivamente na verve dos grandes compositores do país.
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Doces Bárbaros”, disco e filme, o marco das diferenças de cada um em um canto dissonante, barbaramente único. Depois de 1976, por duas vezes, o grupo voltou; em 1994, homenageando a escola de samba carioca Mangueira, e em 2002, num encontro apoteótico na praia de Copacabana. Mas nada foi igual àquele instante de fecunda criatividade juvenil, que surgiu no inverno e encerrou-se numa conturbada primavera de um ano marcado por grilhões da repressão militar, e pela beleza da música que se construía maior e mais possante do que qualquer tanque da caserna.
Juntos no Mítico “Nós, Por Exemplo”
No início dos anos sessenta, jovens e talentosos cantores e compositores, tiveram suas vidas convergidas em Salvador, na Bahia. Era a geração que, alguns anos depois, faria de vez a transição da rádio para a televisão, que apesar de estar instalada no país há mais de dez anos, era totalmente incipiente.
Em 22 de agosto de 1964, o Teatro Vila Velha, em Salvador, era inaugurado, abrindo as cortinas e recebendo no seu palco um grupo de jovens inquietos e inquietantes, desconhecidos do grande pública, mas singularmente talentosos. Eram eles Maria da Graça (Gal Costa), Caetano Veloso, Maria Bethânia, Antonio José (Tom Zé), Gilberto Gil, Fernando Lona, Antonio Renato (Perna Fróes), Djalma Corrêa e Alcyvando Luz. Era a estréia do mítico “Nós, Por Exemplo”. O sucesso foi tamanho, que gerou uma segunda versão do espetáculo. O ápice do show era a voz agreste e seca de Maria Bethânia em contraste com a voz doce e aguda de Maria da Graça, cantando em dueto a melancólica “Sol Negro” (Caetano Veloso).
Na seqüência de “Nós, Por Exemplo”, veio “Nova Bossa Velha, Velha Bossa Nova”, reunindo quase todos os integrantes do primeiro show, estreando-se no Teatro Vila Velha, em novembro de 1964. No grupo, a harmonia entre os irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia com Maria da Graça e Gilberto Gil, era o que sustentava o espetáculo, fazendo deles promissores artistas.
A fama não demorou a vir. Maria Bethânia foi vista no palco por Nara Leão, que ficou fascinada por aquela voz potente e tão diferente das demais. Na ocasião, a cantora fazia o mítico espetáculo “Opinião”. Impossibilitada de fazer uma temporada tão longa devido a problemas vocais, Nara Leão sugeriu que a então desconhecida Maria Bethânia a substituísse. Assim, a baiana foi a primeira a deixar o grupo, rumando para o sudeste, onde seria a revelação de 1965. Na bagagem, Maria Bethânia levou “Sol Negro”, gravado em dueto com Maria da Graça em 1965, no seu primeiro álbum.
O grupo voltaria a reunir-se nos palcos do Teatro de Arena, em São Paulo, em setembro de 1965, no show “Arena Canta Bahia”, dirigido por Augusto Boal. Maria Bethânia era a única do grupo que já tinha a carreira lançada profissionalmente, alcançando grande prestígio. Na seqüência veio “Tempo de Guerra”, com texto de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. O show já não contava com Caetano Veloso, que retornara para Salvador. Mais uma vez, Maria Bethânia foi a estrela do espetáculo, que trazia ainda uma Maria da Graça intimista e pouco à vontade. As apresentações que reuniam os quatro baianos nos palcos encerraram-se.
Em 1967, parte da unidade do grupo veio com o lançamento de “Domingo”, primeiro álbum de Caetano Veloso e de Maria da Graça, já transmutada com o ressoante nome de Gal Costa. O álbum trazia ainda a essência bossa nova que caracterizara o show “Nós, Por Exemplo”. Ainda naquele ano, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa seriam protagonistas de um dos mais marcantes movimentos da MPB, a Tropicália.
O movimento tropicalista uniu ainda mais os baianos, mas deixou de fora Maria Bethânia, que por escolha pessoal, não quis se envolver. Os tempos eram difíceis, e os baianos traziam uma irreverência que assustava a moral conservadora que sustentava a ditadura militar. As atitudes que sabotavam os costumes sociais e morais da época, era o que de fato incomodavam os militares, não as suas convicções ideológicas, que estavam longe do engajamento político das esquerdas da época. A Tropicália explodiu as suas notas dissonantes pelo Brasil. Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil alcançaram a fama. O movimento foi bruscamente encerrado com a prisão de Caetano Veloso e Gilberto Gil, em dezembro de 1968, culminando com o exílio dos dois em Londres, que se iria estender de 1969 a 1972.
Passada a fase caudalosa da Tropicália, o exílio, e o namoro com a geração underground, ou do desbunde; Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil, tinham carreiras sólidas e prestigiadas na primeira metade da década de setenta. Em 1975, completava dez anos que não se juntavam os quatro nos palcos. O encontro era ansiado por todos os fãs, tornando-se inevitável.
A Convocação de Maria Bethânia
Partiu de Maria Bethânia a idéia de um espetáculo que reunisse os quatro baianos mais famosos da sua geração. Assim, em 1976, a cantora convocou o irmão e os dois amigos para um encontro no palco, desta vez, todos já profissionais de sucesso, com técnica e carisma para a realização de um espetáculo memorável.
Maria Bethânia, que por anos sofrera o estigma da canção “Carcará” (João do Vale – José Candido), entrava em uma nova fase da sua carreira, abandonando os álbuns teatrais, realizando um disco por inteiro de música, “Pássaro Proibido”, assumindo um estilo que a iria transformar na cantora mais ouvida no país, com o álbum “Álibi”, em 1978. Depois de “Carcará”, a cantora teve um grande sucesso que explodiu nas paradas musicais de então, “Coração Ateu” (Sueli Costa), graças ao sucesso da novela “Gabriela”, onde fazia parte da trilha sonora, em 1975. Com “Pássaro Proibido”, a cantora alcançaria um outro grande sucesso com “Olhos Nos Olhos” (Chico Buarque). Ampliaria o seu público, até então fechado em um grupo elitizado e de grande teor intelectual.
Gilberto Gil vinha de um dos seus maiores sucessos da década de 1970, “Eu Só Quero Um Xodó” (Dominguinhos – Anastácia), em 1973, sendo constantemente requisitado pelo movimento estudantil, que tomava um novo fôlego após ter seus líderes exilados, presos, desaparecidos ou mortos. Lançara, em 1975, o álbum “Refazenda”, iniciando em agosto daquele ano, uma turnê pelo país, com um show homônimo.
Caetano Veloso, após dois anos sem lançar um álbum, voltou, em 1975, ao mercado discográfico com dois discos, “Jóia” e “Qualquer Coisa”. Na época, era constantemente cobrado por uma falta de definição ideológica, sendo acusado de alienação pelos engajados que esperavam, após o exílio, uma posição mais arrojada do cantor ante a situação política do país.
Gal Costa vinha de um momento particularmente feliz. Após sofrer críticas mordazes contra o seu show e álbum “Cantar”, em 1974, ficou dois anos sem lançar um LP. Em 1975 disparou nas rádios e na televisão com “Modinha Para Gabriela” (Dorival Caymmi), tema de abertura da telenovela “Gabriela”. O sucesso proporcionou um show com Dorival Caymmi e o lançamento do álbum, “Gal Canta Caymmi”, no início de 1976, que lhe rendeu prestígio e mais uma canção em abertura de telenovela, “Só Louco” (Dorival Caymmi), tema principal de “O Casarão”, de Lauro César Muniz.
Foi neste contexto que Maria Bethânia fez a convocação. Gilberto Gil abandonou a excursão do seu show “Refazenda”, para que se pudesse dedicar ao projeto. Gal Costa e Caetano Veloso aderiram com grande entusiasmo. Estava gerado o clima para o reencontro em palco, dos quatro baianos.
Doces Bárbaros, o Show
No lançamento do filme “Doces Bárbaros”, de Jom Tob Azulay, em DVD, em 2009, foi amplamente divulgado que o encontro entre os baianos deu-se para a comemoração dos dez anos de carreira dos quatro. Cronologicamente, 1976 não assinalava marco algum, pois Maria Bethânia e Gilberto Gil já tinham discos gravados há mais de onze anos; Gal Costa e Caetano Veloso ainda iam nos nove anos da estréia profissional com o álbum “Domingo”. Para finalizar, o último encontro de todos juntos datava de 1965, portanto, 1976 marcava um reencontro que teve uma ausência de onze anos.
Em 1974, Gal Costa, Caetano Veloso e Gilberto Gil lançaram o álbum “Temporada de Verão – Ao Vivo na Bahia”, gravado no mítico Teatro Vila Velha, em Salvador, demarcando os dez anos do teatro. Os shows foram feitos em paralelo, não havendo um encontro entre os três. Foi o que mais chegou próximo de um reencontro, mais tropicalista do que o todo.
Reza a tradição de que Maria Bethânia teria sonhado com a reunião dos quatro em um show. A idéia contagiou o grupo, e em duas semanas comporiam o repertório que faria parte do show. Até mesmo Gal Costa e Maria Bethânia, arriscaram-se como co-autoras de duas das canções. As exceções foram para músicas de Dorival Caymmi; Herivelto Martins e David Nasser; Waly Salomão; e, Milton Nascimento e Ronaldo Bastos.
Gilberto Gil e Caetano Veloso tinham por objetivo gravar o álbum em estúdio, mas Gal Costa e Maria Bethânia decidiram que o disco seria registrado ao vivo. Em maio de 1976, os quatro entraram em estúdio para a gravação de um compacto duplo, com as faixas “Chuck Berry Fields Forever” , “São João, Xangô Menino”, “Esotérico” e “O Seu Amor”, sendo lançado em julho daquele ano.
Após exaustivos ensaios, no dia 24 de junho de 1976, doze anos depois do histórico “Nós, Por Exemplo”, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia e Gilberto Gil reencontravam-se em palco, formando o grupo que chamaram Doces Bárbaros. A estréia dos Doces Bárbaros foi no Anhembi, em São Paulo. Show romântico, com roupas coloridas, ludismo circense, sensualidade latente, repertório arrojado e inédito, numa dilatada sintonia de quatro estilos diferentes.
O momento era histórico. O grupo abraçava com fôlego o encontro. Agendaram dez cidades brasileiras para a apresentação do show. Por insistência de Gilberto Gil e Caetano Veloso, incluíram Florianópolis, capital de Santa Catarina, no roteiro. Seria naquela cidade do sul do país que o reencontro teria uma interrupção brusca. No dia 7 de julho, uma operação truculenta da polícia de Florianópolis prendeu Gilberto Gil e o baterista do show, Chiquinho Azevedo, indiciados por porte de maconha. A notícia ecoou pelo Brasil, gerando uma acirrada polêmica.
Recolhido em uma cadeia pública, Gilberto Gil foi, por decreto de um juiz, internado no Instituto Psiquiátrico São José, próximo a Florianópolis. Ali permaneceria até 20 de julho, para que se submetesse a tratamento ambulatorial no Sanatório Botafogo, no Rio de Janeiro. Naquele ano a ditadura militar, que aos poucos perdia o apoio das famílias mais moralistas e conservadoras, usou da punição a artistas para agradar alguns setores. A tropicalista Rita Lee também seria presa por uso de drogas, passando pela humilhação pública e moralismo da caserna.
Acalmado o escândalo que envolvera a prisão de Gilberto Gil, o grupo retomou o show algum tempo depois da interrupção, fazendo uma curta e bem-sucedida temporada no Canecão, no Rio de Janeiro. Durante a primeira semana de shows no Canecão, foi gravado ao vivo, o álbum duplo “Doces Bárbaros”, que seria lançado em outubro de 1976.
O material visual do espetáculo foi registrado por Jom Tob Azulay, resultando em um filme homônimo, que só teria a sua estréia nos cinemas nacionais em 1978. O filme registrou a prisão de Gilberto Gil. Já na primeira década de 2000, quando o cantor tornou-se ministro da cultura do governo do presidente Luis Inácio da Silva, o registro do incidente adiou o lançamento do filme em DVD, só sendo possível em 2009, com Gilberto Gil já fora do ministério.
Doces Bárbaros, o Álbum
Gravado ao vivo e lançado em outubro de 1976, “Doces Bárbaros” é um álbum duplo, no formato de vinil, com dezessete canções distribuídas em dezoito faixas. Tecnicamente traz gravações sujas, com várias deficiências. É um trabalho único nas carreiras de Gal Costa, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Caetano Veloso. A capa de tons entre o preto e o castanho fuscos, traz a fotografia da cabeça dos quatro bárbaros convergindo, com Maria Bethânia e Gilberto Gil em cima, e, Caetano Veloso e Gal Costa embaixo. O fundo é de uma cor laranja intensa, sendo azul na contra-capa.
O repertório é quase todo de autoria de Gilberto Gil e Caetano Veloso, com exceção de três faixas. A diferença dos Doces Bárbaros para outros grupos vocais é que as vozes não soam como uma, não constituindo arranjos harmônicos, demarcando as diferenças de cada um. Há momentos que a voz aguda e doce de Gal Costa sobressai aos demais, o mesmo acontecendo com a voz grave de Maria Bethânia, sendo as de Gilberto Gil e Caetano Veloso as que mais se confundem em uma só. Os homens fazem a harmonia do canto, as mulheres contrastam os timbres peculiares das suas vozes, únicas na MPB. Gal Costa é a voz do grupo, o centro intocável, docemente bárbara.
O primeiro disco traz apenas sete canções, longas, divididas em dois lados. “Os Mais Doces Bárbaros” (Caetano Veloso) abre a aventura musical. Alegre, já de inicio estabelece a proposta do álbum, com as quatro vozes explodindo as suas diferenças. Os florões acentuam a voz de Gal Costa, e as mulheres rasgam a canção. Por mais de seis minutos é anunciada a invasão bárbara, trazendo na mesma mensagem afoxés, orixás, sincretismo cristão, astronaves, cordões, hino flower power, numa aventura que destila ventos tropicalistas. Pela primeira vez temos uma Maria Bethânia tropicalista, movimento do qual se negara fazer parte.
“Com amor no coração
Preparamos a invasão
Cheios de felicidade
Entramos na cidade amada
Peixe espada, peixe luz
Doce bárbaro Jesus
Sabe quem é otário
Peixe no aquário nada”
“Fé Cega, Faca Amolada” (Milton Nascimento – Ronaldo Bastos) foge dos autores bárbaros, sendo uma das três faixas de compositores diferentes que transitam pelo disco. Iniciam juntos, mas Maria Bethânia conduz a canção, com Gal Costa em um vocal contundente nos refrões. O grito é instigante, provocador, pronto para o protesto ou para a polêmica. É a busca de uma liberdade em mensagem velada, feita numa época ofuscada por uma triste ditadura. O grupo pode ser doce, mas não deixa de ser bárbaro.
“Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada
Agora não espero mais aquela madrugada
Vai, ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada
O brilho cego de paixão e fé, faca amolada”
“Atiraste Uma Pedra” (Herivelto Martins – David Nasser), quebra a rebeldia, trazendo um antigo samba canção, da época da briga musical e pública entre Herivelto Martins e Dalva de Oliveira. Na canção os versos são divididos pelas quatro vozes, demarcando solitariamente cada timbre, até que se encontram todas na segunda parte. Emoção pura, dentro da tristeza do fim de um grande amor. Ou mesmo da quebra do sonho do reencontro com a prisão de Gilberto Gil. É o momento inconfundível do estilo de Maria Bethânia sobressaindo-se ao tropicalista. Adorável releitura da época das grandes vozes do rádio, feita pelas vozes mais contemporâneas do Brasil.
“Atiraste uma pedra com as mãos que essa boca
Tantas vezes beijou
Quebraste um telhado
Que nas noites de frio te servia de abrigo
Perdeste um amigo que os teus erros não viu
E o teu pranto enxugou”
“Pássaro Proibido” (Caetano Veloso – Maria Bethânia), é a primeira interpretação a solo do disco, cantada por Caetano Veloso. Feita para o show homônimo de Maria Bethânia, seria também o titulo do álbum da cantora em 1976. Caetano Veloso veste-se de cantador nordestino, com entonação de florões de um canto ímpar, mesclando um tom hindu, dando uma atmosfera mística ao grito do pássaro proibido, que finalmente estava livre. Sem medo de ser maldito, ou de quebrar os estigmas de uma moral em evolução social. Com a canção, era encerrado o lado um do primeiro disco de vinil.
A Visão Alucinógena da Criação do Universo
O lado dois do primeiro disco contém apenas três canções, iniciando com o dueto de Caetano Veloso e Gilberto Gil em “Chuck Berry Fields Forever” (Gilberto Gil), trocadilho com a canção dos Beatles “Strawberry Fields Forever” (John Lennon – Paul McCartney). Frenético rock, que na letra faz homenagem às raízes africanas dos músicos da América, em especial a Chuck Berry, considerado o pai do rock and roll. No verso de duplo sentido “os quatro cavaleiros do após-calipso”, lê-se uma referência aos quatro Beatles ou aos quatro bárbaros, de acordo com ângulo que se interpreta a mensagem de Gilberto Gil. Apesar de bem ritmada, a canção é daquelas de bastidores, que passa longe das paradas de sucesso, mas jamais se deixam vincar pelo tempo. “Chuck Berry Fields Forever” tem as cores e os tons dos anos setenta, mas sopra os ventos atemporais das canções. Numa primeira leitura não se lhe encontra o carisma, que nada na ironia da letra e nos trocadilhos inteligentes, prontos para serem digeridos.
“Gênesis” (Caetano Veloso), traz de volta o fôlego dos quatro baianos, com um coro luxuoso nos florões. Por quase nove minutos percorremos pela instigante cosmogonia caetaniana, numa visão flower power da origem do mundo. Através de uma rã, ou jia, vamos compondo em encaixe místico à composição do universo, no torpor de uma visão alucinógena, arrancada de experiências no mundo das visões provocadas. Longa, a canção é um dos melhores momentos do primeiro disco, senão o melhor. A mais contundente na mensagem proposta por aquele espetáculo colorido, alucinante e alucinógeno.
“Primeiro não havia nada
Nem gente, nem parafuso
O céu era então confuso
E não havia nada
Mas o espírito de tudo
Quando ainda não havia
Tomou forma de uma jia
Espírito de tudo”
A atmosfera alucinógena espalha-se e deságua nas águas da filosofia da geração do desbunde com a radical “Tarasca Guidon” (Waly Salomão). Gilberto Gil e Caetano Veloso arrastam-se no início da canção, que se debate melancólica, quase parada, até que Maria Bethânia arranca o ritmo do som dos atabaques, dando vida à monotonia da melodia. Filosofia sem objetivo e saída, o desbunde de Waly Salomão está no auge da sua criação, também a sua euforia metafísica, assinando na época como Waly Sailormoon, num jogo de palavras em inglês que define bem o sal de marinheiro com a embriaguez da lua enganadora. Por mais de sete minutos a canção atravessa diversos universos; desde os nordestinos estivadores do litoral de São Paulo, que trabalham como escravos, sonhando apenas com a volta a Santo Amaro, na Bahia, para poderem participar das festas tradicionais do lugar; às águas do Ganges, consagradas pelos hindus. Letra radical e gigantesca, mescla sons afros com afrescos do desbunde, numa mensagem ilógica, encerrando o primeiro disco do álbum.
“Trabalho o ano inteiro
Na estiva de São Paulo
Só pra passar fevereiro em Santo Amaro
Só pra passar fevereiro em Santo Amaro
Ô, diê, ô, dia
Ô, diê, ô, dia”
Momentos Esotéricos de Beleza Musical
O segundo disco traz a apoteose do show, sua veia latente e o perfil em carne viva de cada cantor. O lado um do disco dois começa com os homens, Gilberto Gil e Caetano Veloso, aquecendo a atmosfera para receberem as mulheres, em dueto na complexa “Eu e Ela Estávamos Ali Encostados na Parede” (Caetano Veloso – Gilberto Gil – José Agripino de Paula). Os compositores baianos conseguem aqui o que parecia impossível, extrair uma melodia do texto confuso de José Agripino de Paula. O “eu” do texto faz amor com “ela”, Marilyn Monroe, no livro “Panamérica”. Há uma sensualidade latente e ambígua dentro da lentidão da melodia e na complexidade do texto.
A atmosfera erótica deixada pelos homens abre caminho para as mulheres, Gal Costa e Maria Bethânia, que na apresentação do show exalam sensualidade e provocação, aqui reveladas no calor das vozes, em dueto na mítica “Esotérico” (Gilberto Gil). O ímpeto do sentimento contrapondo com o místico, divindade e humano interferindo nos mistérios da mente e do afeto. Um dos mais belos duetos feitos por Maria Bethânia e Gal Costa, algumas vezes magníficas juntas desde “Sol Negro”. A voz grave e passional de Maria Bethânia assume a chama ativa, revelando o humano, Gal Costa, voz doce e solitária, numa passividade existencial enaltece o divino. Fundidas as vozes, envolvem um comovente mundo do esoterismo das paixões, em momento de pura sedução dos contrastes dos cantos, unidos em um mesmo sentimento.
“Não adianta nem me abandonar
Porque mistérios sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu pra você
Que eu, que dois, que dez, que dez milhões, todos iguais
Até que nem tanto esotérico assim
Se eu sou algo incompreensível, meu Deus é mais”
“Eu Te Amo” (Caetano Veloso), solo de Gal Costa, atinge um dos momentos mais líricos e de êxtase do show e do disco. A cantora assumiu a canção com um vigor poucas vezes alcançado na MPB, gerando aqueles instantes únicos em que a melodia e a voz casam-se com a poesia, dando dimensão épica ao canto. “Eu Te Amo” rouba o verso “Da cor do azeviche, da jabuticaba”, de uma velha canção de Ary Barroso e Luiz Iglesias, “Boneca de Piche”. O amor tem cores e gostos, negro como azeviche e sensual como o sabor das jabuticabas, claro e dourado como a luz do sol. O lirismo da letra adquire cor na voz de Gal Costa, fazendo com que o simples atinja o sublime, as notas musicais a perfeição. A amplitude da voz alcança o ápice na última palavra de cada estrofe, desencadeando o grito da alma da cantora quando canta “eu te amo”. Momento que daria uma tese, não fosse o brilho ímpar dos outros três bárbaros.
“Eu nunca te disse
Mas agora saiba
Nunca acaba, nunca
O nosso amor
Da cor do azeviche
Da jabuticaba
E da cor da luz do sol”
O romantismo suave, estético e plural continua a fluir na faixa seguinte, “O Seu Amor” (Gilberto Gil). Canção minimalista, com os versos divididos e cantados separadamente por cada bárbaro, voltando a formar um coro nos refrões. Vai fluindo em uma construção que se eleva em degraus melódicos e de vozes. Por debaixo do romantismo minimalista, está a provocação do refrão “ame-o e deixe-o…”, numa resposta à famosa frase de propaganda do regime militar no início dos anos setenta: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Ao contrário da proposta repressora da ditadura, Gilberto Gil fazia um convite à liberdade de ir e de vir, ao amor livre, ao fim da paixão possessiva. Quase a brincar como em um jogral, os quatro mostram-se carismaticamente bárbaros.
“O seu amor
Ame-o e deixe-o livre para amar
Livre para amar
Livre para amar
O seu amor
Ame-o e deixe-o ir aonde quiser
Ir aonde quiser
Ir a onde quiser”
O disco dois fecha o lado um com “Quando” (Caetano Veloso – Gilberto Gil – Gal Costa), uma homenagem à tropicalista Rita Lee. Um momento raro em que Gal Costa assina a co-autoria de uma canção. Feita a seis mãos, a música é um alegre rock, em estilo de iê-iê-iê do final da década de sessenta. Assim como Gilberto Gil, em 1976 Rita Lee seria vítima da intolerância da polícia conservadora, sendo presa por porte de droga. A cantora estava grávida quando ocorreu o fato. A música é cantada por Gilberto Gil, com Gal Costa fazendo um acentuado coro. Era o reencontro dos tropicalistas, em homenagem a um dos seus ícones.
Protestos, Canções Ecológicas e Místicas
O lado dois do segundo disco era aberto com “Pé Quente, Cabeça Fria” (Gilberto Gil). Nunca o título foi tão sugestivo e premonitório quanto o desta canção, em um momento que, com a prisão de Gilberto Gil, os Doces Bárbaros viram os planos do reencontro quase que desfeitos. Talvez seja a canção que mais irritou os moralistas, pois é a mais provocativa, incitando a que se perca a calma e literalmente, que se “desça o pau” em quem se lhe atravesse o caminho. As quatro vozes cantam com vigor a provocação e, após o incidente, continuam com os oito pés muito quentes, e as cabeças frias, prontas para uma estréia gloriosa na maior casa de espetáculo da época, o Canecão do Rio de Janeiro.
“(…) Saia despreocupado
Mas cuidado por que existe o bem e o mal
Pé quente, cabeça fria, numa boa
Pe quente, cabeça fria, na maior
Pé quente, cabeça fria, na total
Saia despreocupado
Mas se alguém se fizer de engraçado, meta o pau”
“Peixe” (Caetano Veloso) deixa a provocação arrebatada da faixa anterior, para mergulhar anos luz nas águas da canção ecológica. A palavra “peixe” é pronunciada em sílabas que trazem a sensação do nado de um peixe de verdade. Os graves de Maria Bethânia fazem desse nado uma sílaba caudalosa, e Gal Costa solta os agudos de forma retumbante, cabe aos homens arrematarem as sílabas nadadoras. A canção abriria a fase de bichos musicais de Caetano Veloso, que desfilaria em 1977 com o seu zoológico intrépido com as míticas “Tigresa” e “Leãozinho”. Letra pequena, quase minúscula, de melodia crescente, quase eloqüente. Também em 1977, estrearia uma nova versão televisiva, a mais famosa, de “O Sítio do Pica-pau Amarelo”, inspirada na obra de Monteiro Lobato. “Peixe” faria parte da sua trilha sonora, conduzindo as cenas pelo Reino das Águas Claras, transformando-se de vez em hino ecológico.
“Peixe
Deixa eu te ver, peixe
Verde
Deixa eu ver o peixe
Vi o brilho verde
Peixe prata”
“Um Índio” (Caetano Veloso) traz outro momento mítico, de reflexão filosófica e existencialista, centraliza na figura de um índio, visto aqui como personagem mística, detentor dos segredos da Terra dominada pelo homem branco. É a redenção da causa indígena, que depois de exterminado, volta para descortinar os mistérios que os seus exterminadores não encontraram. Mais um momento transcendental de Caetano Veloso, revelado na voz potente da irmã Maria Bethânia, sendo acompanhada pelo coro dos outros bárbaros. Na mística caetaneana, fatos e personagens contemporâneos ressaltam com as suas qualidades a mensagem. Ouvimos assim, o nome do ator e lutador de artes marciais Bruce Lee, do boxeador Muhammad Ali, do índio Peri, e do grupo baiano de afoxé Filhos de Gandhi a exaltarem a volta do último índio.
“Virá, impávido que nem Muhammad Ali, virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi
Tranqüilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi
O axé do afoxé, filhos de Gandhi, virá”
Fechando o Ciclo Com “Nós, Por Exemplo”
O misticismo profético dá passagem para o sincretismo religioso típico da Bahia secular, refletida nos baianos bárbaros, na canção “São João, Xangô Menino” (Caetano Veloso – Gilberto Gil). Caetano Veloso registrou durante a carreira, várias marchinhas feitas para o carnaval. Aqui, em parceria com Gilberto Gil, atira-se nas tradicionais canções juninas, mesclando-a com os mitos do candomblé. A canção traz um momento leve de festa junina, com aquela pitada baiana. Há espaço ainda para as homenagens explícitas aos trabalhos musicais dos quatro na época, sendo citados os álbuns “Refazenda”, “Qualquer Coisa”, “Gal Canta Caymmi” e “Pássaro Proibido”, de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia respectivamente. No meio, uma homenagem a Dominguinhos.
“Ai, Xangô, Xangô menino
Da fogueira de São João
Quero ser sempre menino, Xangô
Da fogueira de São João”
Depois de uma viagem inusitada por cada faixa, chega o momento de arrematar todo o trabalho, sintetizado nas origens com a canção “Nós, Por Exemplo” (Gilberto Gil), uma homenagem ao mítico espetáculo homônimo que uniu os Doces Bárbaros pela primeira vez em 1964, no Teatro Vila Velha, em Salvador. Aqui cada um evidencia a diferença dos seus cantos, numa unidade invisível, em contrastes literalmente doces e bárbaros. Soam como ecos de vozes, conforme diz a letra da melodia, construindo um todo que faz dos quatro apenas um, numa sutil ilusão de que são indivisíveis, quando apenas convergiram os seus estilos.
E o disco é fechado como começou, com “O Mais Doces Bárbaros”, aqui em uma faixa de pouco mais de um minuto. Estava selado o manifesto dos Doces Bárbaros, o maior desde o manifesto tropicalista. Alguns bons momentos do show não entraram no álbum, como “As Ayabás” (Caetano Veloso – Gilberto Gil). Em faixas sujas, estava registrado o encontro histórico de quatro dos maiores cantores e autores daquela geração: Gal Costa, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Seus nomes dispensam qualquer apresentação formal ou crítica.
Um longo tempo decorreu até que os Doces Bárbaros voltassem a promover um reencontro no palco. Convites não faltaram, mas, a partir de 1976, cada um seguiu carreiras que se tornaram cada vez mais visíveis e de grande projeção. O tradicional Festival de Montreux sugeriu um reencontro, mas não se convergiu um projeto. Em 1994, aconteceu o esperado reencontro, numa homenagem que os quatro fizeram à Estação Primeira de Mangueira, escola de samba carioca. Trouxeram um repertório diferente de 1976, com sambas tradicionais da MPB. Estavam todos no auge da técnica vocal, numa apresentação espetacular. Infelizmente não houve interesse em lançar o reencontro em álbum ou em DVD, apesar do material que se tem, e da beleza do reencontro. A escola de samba carioca retribuiu a homenagem, fazendo dos Doces Bárbaros o tema do samba-enredo daquele ano. Também em 1994, o grupo fez uma apresentação no Royal Albert Hall, em Londres.
Em 2002, os Doces Bárbaros voltaram aos palcos, em uma apresentação para mais de cem mil pessoas na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. O evento e os seus bastidores foram registrados no DVD “Outros Doces Bárbaros”, do diretor Andrucha Waddington, que apesar da qualidade técnica, não conseguiu captar a essência que Jom Tob Azulay registrou em 1976. Tão pouco os Doces Bárbaros, surpreenderam, repetindo o repertório do show original, sem lhe acrescentar uma gota da longa trajetória que caminharam quase três décadas depois. Um presente para os fãs, uma decepção para a história brilhante do grupo.
Ficha Técnica:
Doces Bárbaros
Philips
1976
Direção Geral: Caetano Veloso
Direção Musical: Gilberto Gil
Direção de Produção: Gapa e Perinho Albuquerque
Técnico em Gravação e Mixagem: Ary Carvalhaes
Assistente: Rafael Isaak
Técnico em Manutenção: Ivan A. Lisnik
Corte: Luigi Hoffer
Capa: Aldo Luiz e Flávio Império
Fotos: Frederico Confalonieri
Ilustração: Jorge Vianna
Gravado ao Vivo
Músicos Participantes:
Piano: Tomás Improta
Baixo: Arnaldo Brandão
Guitarra: Perinho Santana
Bateria: Chiquinho Azevedo
Flauta: Tuzé Abreu e Mauro Senise
Saxofone: Mauro Senise
Percussão: Djalma Corrêa
Doces Bárbaros:
Gal Costa – Vocal
Caetano Veloso – Vocal
Gilberto Gil – Vocal
Maria Bethânia – Vocal
Faixas:
Disco 1:
1 Os Mais Doces Bárbaros (Caetano Veloso)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
2 Fé Cega, Faca Amolada (Milton Nascimento – Ronaldo Bastos)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
3 Atiraste Uma Pedra (Herivelto Martins – David Nasser)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
4 Pássaro Proibido (Caetano Veloso – Maria Bethânia)
Interpretação: Caetano Veloso
5 Chuck Berry Fields Forever (Gilberto Gil)
Interpretação: Caetano Veloso e Gilberto Gil
6 Gênesis (Caetano Veloso)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
7 Tarasca Guidon (Waly Salomão)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
Disco 2:
1 Eu e Ela Estávamos Ali Encostados na Parede (Caetano Veloso – Gilberto Gil – José Agripino de Paula)
Interpretação: Caetano Veloso e Gilberto Gil
2 Esotérico (Gilberto Gil)
Interpretação: Gal Costa e Maria Bethânia
3 Eu Te Amo (Caetano Veloso)
Interpretação: Gal Costa
4 O Seu Amor (Gilberto Gil)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
5 Quando (Caetano Veloso – Gilberto Gil – Gal Costa)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
6 Pé Quente, Cabeça Fria (Gilberto Gil)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
7 Peixe (Caetano Veloso)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
8 Um Índio (Caetano Veloso)
Interpretação: Maria Bethânia
9 São João, Xangô Menino (Caetano Veloso – Gilberto Gil)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
10 Nós, Por Exemplo (Gilberto Gil)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
11 Os Mais Doces Bárbaros (Caetano Veloso)
Interpretação: Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil