A ÁRVORE DA VIDA (RAINTREE COUNTY) – EDWARD DMYTRYK

maio 2, 2016

Quando realizado, “A Árvore da Vida” (Raintree County) foi concebido para ser um novo épico equivalente ao mítico “…E o Vento Levou”. O filme não cumpriu o propósito, mas continua a ser um dos mais belos feitos na década de 1950, sem sofrer com a poeira do tempo, mostrando-se intacto na sua emoção dramática, beleza estética e composição de elenco memorável.
Inspirado no romance homônimo de Ross Lockridge, o filme retrata a procura intensa de John Wickliff Shawnessy (Montgomery Clift) pelos segredos da existência e os mistérios da árvore da vida. Sua sensibilidade é refletida pelo local onde vive, Raintree County, pela vida de poeta sonhador, pela simplicidade e beleza bucólica da namorada Nell Gaither (Eva Marie Saint), sendo violentamente interrompida com a chegada de Susanna Drake (Elizabeth Taylor). Susanna envolve o jovem John, levando-o a um casamento conturbado e à prisão ao seu mundo mentalmente instável. Ao lado da mulher ele assiste o distanciamento das suas indagações de vida, num desfecho dramaticamente trágico, que lhe trará de vez a resposta de qual é a verdadeira árvore da vida.
Ironicamente, “A Árvore da Vida” assinalou o início da agonia de Montgomery Clift, que durante as filmagens, sofreu um acidente no qual teve o rosto desfigurado. Sua agonia visual pode ser comparada a cada cena, gravada antes e depois do acidente. Prejudicado pela tragédia pessoal, o ator, então com o lado esquerdo da face paralisado, limitou a força que tinha em traduzir com o olhar a sua interpretação única. Elizabeth Taylor supera todos os estigmas da sua beleza, numa interpretação memorável, definitiva, compondo com o amigo de uma vida, a sutileza da tragédia dentro e fora da ficção. Juntos, os atores transbordam a empatia que os unia na vida e nas grandes telas do cinema, sendo, ao lado de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, a mais bela dupla romântica que Hollywood apresentou às platéias sonhadoras do mundo.
Esquecido pelas novas gerações, “A Árvore da Vida” é uma sensível descoberta, imprescindível para os amantes da sétima arte, aqui, em sua verdadeira essência visual para contar uma grande história.

O Idealista John Wickliff Shawnessy

Na segunda metade da década de 1950, os estúdios Metro-Goldwyn-Mayer investiram em uma grande produção, com o objetivo de criar outro épico comparado a “…E o Vento Levou” (Gone With the Wind), filme de 1939. Tratava-se da adaptação do romance “Raintree County”, de Ross Lockridge, que assim como “…E o Vento Levou”, trazia a Guerra da Secessão Americana como pano de fundo. Para dirigi-lo, foi chamado Edward Dmytryk, experiente cineasta de Hollywood. Sob a tecnologia do Cinemascope, começava, em 1956, a ser realizada a mais cara produção do cinema até então.
Para protagonistas, foram escolhidos os atores Montgomery Clift e Elizabeth Taylor, que pela segunda vez atuavam juntos, vindos do grande sucesso de “Um Lugar ao Sol” (A Place in the Sun), em 1951. Desde então, os atores haviam iniciado uma intensa amizade, refletida em uma cumplicidade exalada a cada filme que fizeram um ao lado do outro. A amizade só seria interrompida pela morte súbita de Montgomery Clift em 1966.
Sob a beleza da fotografia de Robert Surtees, “A Árvore da Vida” apresenta um dos mais sensíveis filmes sobre a alma humana, fugindo à aventura épica a qual tinha sido destinado. Ao som de uma magnificente trilha sonora, feita por Johnny Green, vamos sendo apresentados à calma bucólica do pequeno condado de Raintree, no sul de Indiana; lugar que dá título ao filme (Raintree County). Em um sopro singelo, vamos percorrendo a paisagem das árvores, como se em uma delas fôssemos encontrar os segredos da vida, da sua proposta para a eternidade da memória de cada pessoa. Num cenário de 1859, abrem-se as portas das casas e das pessoas que habitam em Raintree County.
Na tranqüilidade do lugar, encontramos o jovem poeta John Wickliff Shawnessy (Montgomery Clift), que sonha em ser escritor. Contrastando com a calmaria do lugar, a alma de John ambiciona descobrir os segredos da existência, poder um dia encontrar a mítica e perdida árvore da vida. Os sonhos do jovem são acalentados pela presença contundente do seu professor Jerusalem Webster Stiles (Nigel Patrick). É através do mestre que a semente da busca é implantada em John, sem jamais deixar de instigar-lhe a alma inquieta.
Na vida de John está a doce Nell Gaither (Eva Marie Saint), antiga namorada dos tempos do colégio, por quem tem um sentimento singelo e calmo, prontamente por ela correspondido. Assim, a vida parece conduzir os dois em um desenlace inevitável, construído através do amor em sua mais elegante pureza, com sonhos da elevação do ser através da família.
Mas o mundo idealista de John procura por verdades existenciais que se estendem além das árvores de Raintree County. Seu destino irá cruzar de forma indelével com o da bela Susanna Drake (Elizabeth Taylor). As sombras da alma instável de Susanna convergirão com as luzes da poesia de John, travando uma luta que os irá enlaçar em uma conturbada e asfixiante história de amor e de existência.

Casamento Com a Bela Susanna

Ao conhecer Susanna Drake, John sente por ela uma irresistível tentação, sem que se converta em amor e paixão dilacerantes. Se em John os sentimentos são mais intimistas, em Susanna eles se revelam à flor da pele. Para a jovem não há dúvidas, ele representa o seu elo com o amor e com a sua frágil consistência emocional, envolta nas trevas da sanidade.
Susanna é bela e rica, vinda de Nova Orleans. Sua personalidade não se lhe revela além de uma suposta superficialidade ante as convicções idealistas de John. Parece ser fútil e alheia ao mundo. Quando se depara com John, sente a paixão na sua forma possessiva e sem saída. Não tem dúvidas de que ama o mundo sem sombras do jovem professor. Se há obstáculos para tê-lo, no caso refletidos pela ligação de profunda amizade e comprometimento entre John e Nell; Susanna vai ultrapassá-los, nem que para atingir o propósito tenha que seduzir, ser ardilosa e mentir.
Preso à beleza sedutora de Susanna, John verá o seu mundo pacato e de verdades silenciosas ser rompido bruscamente. Acossado pela mentira da bela jovem, que se lhe apresenta grávida, John decide que irá tomá-la como esposa, apesar dos amigos mais próximos aconselhá-lo a não fazê-lo. John decide unir a sua vida a de Susanna, fazendo-a mais amiga do que amante, mais protetor do que homem apaixonado. Casados, eles partem para o sul do país. Susanna consegue afastar John do seu mundo, dos amigos e do lugar que lhe serve de base para a personalidade etérea.
Preterida por Susanna, resta a Nell Gaither conformar-se com a perda do amor de John. Contemplativa, ela seguirá ao longe o amor perdido, platônica e silenciosamente, manterá o seu amor por John por toda a vida, sendo a amiga que se não lhe abandona jamais.

Nos Campos de Batalha

Cedo John descobre os ardis que Susanna usara para envolvê-lo. Descobre-se preso a um casamento que se construíra em cima de uma sórdida mentira. Sente-se distante dos seus ideais de juventude, asfixiado pelo conturbado mundo emotivo da mulher, que se mostra cada vez mais perturbador e instável.
A decepção de John com a vida é crescente. Aos poucos descobre o mundo das sombras que rondam a mulher, do segredo que se lhe esconde o passado. A mãe de Susanna morrera internada em um asilo para loucos, totalmente despida da sanidade mental. John pressente o mesmo fim trágico para a mulher, cada vez mais distanciada do equilíbrio emocional.
Paralelamente, uma sangrenta guerra civil assola os Estados Unidos, tendo como principal causa a abolição dos escravos naquele país. Enquanto os estados do norte, mais industrializados, são favoráveis ao fim da escravatura, os sulistas, essencialmente agrícolas e dependentes da mão-de-obra dos escravos, são contra. Diante do impasse, surge uma guerra com a finalidade de dividir o país em dois. A guerra civil mergulha os americanos em sangrentas batalhas.
John Wickliff Shawnessy, pacifista e apegado às causas sociais do seu tempo, é um abolicionista convicto. Para suprir a decepção que sofreu ao descobrir as mentiras de Susanna, apega-se cada vez mais às conturbações políticas que eclodem ao seu redor. Frustrado por estar reduzido ao mundo instável da mulher, ele decide alistar-se no exército da União, lançando-se no meio da guerra, numa tentativa de redescobrir os ideais que se lhe moldaram o caráter, na esperança de descobrir na luta pelo que considerava justo, a verdadeira face dos segredos da vida, a luz que se lhe ia iluminar a árvore da vida.
Para desespero de Susanna, criada dentro das tradições sulistas que apoiavam a escravidão, John parte para as frentes de batalhas nos estados do Tennesse e da Georgia, lutando contra os confederados, opondo-se aos frágeis ideais políticos da mulher e ao seu mundo social e emocional.
As cenas de guerra dão ao filme o caráter épico ambicionado pelos produtores, mostradas em belas imagens estéticas e dramáticas. Será na guerra que John encontrará novas perguntas e algumas respostas que o façam refletir a sua existência além do vazio do seu casamento com Susanna. O sangue que escorre nos campos, a necessidade de se matar ou morrer nas batalhas, tudo faz com que ele não dê tréguas à instigante busca das verdades da existência que se lhe aquece e perturba a mente.
John Wickliff Shawnessy depara-se com as atrocidades das batalhas, as situações extremas de sobrevivência, garantidas pelo ecoar das balas das armas, pelo cheiro impregnado da pólvora e pelo sangue derramado no solo e nos ideais.

A Árvore da Vida

Enquanto John Wickliff Shawnessy encontra-se nos campos de batalha, Susanna mergulha em uma depressão sem volta, deixando-se arrebatar cada vez mais pela sombra do caráter da mãe, pela loucura iminente.
Ao retornar dos combates, John sente a fragilidade da mulher. Se não há a paixão tradicional por ela, há um sentimento de amizade e de proteção que o faz abraçar o mundo instável de Susanna. Este sentimento de compreensão e amizade é sublimemente exaltado pela cumplicidade entre Elizabeth Taylor e Montgomery Clift. Uma característica da dupla, que foi buscá-la na profunda amizade que os atores mantinham em suas vidas pessoais.
No meio do casamento conturbado, surge um filho, Jim Shawnessy (Donald Losby e Mickey Maga), o que ameniza a decepção de John em relação ao casamento, fazendo com que ele tente estabelecer o objetivo de tentar trazer a mulher de volta do abismo da loucura.
Apesar da luta intensa para trazer Susanna às malhas da estabilidade emocional, a vida de John torna-se tensa, sem um momento de paz ou de lapsos de felicidade. A própria Susanna chega à conclusão que é a responsável pela infelicidade do marido. Sabe das limitações da sua sanidade, das sombras que rondam a sua mente. Ao conversar com Nell Gaither, percebe que ela ainda ama John, obtendo a confirmação da própria ex-namorada do marido. Em um raro momento de lucidez e redenção profunda, ou de total perda da sanidade conforme o prisma que se olhe, Susanna decide deixar de ser um peso na vida do marido.
Quando a noite atinge o seu auge, Susanna fala com o filho em um tom de ruptura e adeus, beija-o, deixando na cama. Na calada da noite, foge em direção à mata e ao pântano. Da janela, Jim observa a fuga da mãe. Desesperado, o pequeno foge ao seu encalce. De uma das janelas da casa, uma empregada vê quando Jim embrenha-se na mata. Desesperada, a mulher corre até a igreja, batendo os sinos para que a população acorde e saia em socorro do menino.
Numa tensão final, John e os moradores do pequeno condado munem-se de tochas, adentrando-se na escuridão da mata em busca de mãe e filho. Ao seu lado está a dedicada Nell. As buscas atravessam a noite. Já é dia quando John é avisado que encontraram Susanna. Ele corre para ver a mulher, encontrando o seu corpo estendido, sem vida. John abraça-se à mulher morta. Desespera-se, chegando à conclusão que o mesmo acontecera ao filho.
Naquele momento, a imagem mostra o pequeno Jim a dormir debaixo de uma árvore. Ao ouvir vozes, ele acorda, grita pelo pai, atravessando o pântano e indo ao seu encontro. Jim atira-se aos braços de John, em um momento de emoção final. Sobrevivera à loucura e à morte de Susanna. Com o filho nos braços, ele caminha ao lado de Nell, como se recuperasse o verdadeiro caminho da sua vida, interrompida quando do surgimento de Susanna. A imagem fecha na árvore em que Jim adormecera aos pés. É a última cena do filme. Ali está a árvore da vida que John tanto perseguira, ela protegera o seu filho, o verdadeiro segredo da sua continuação, da sua eternidade no mundo. O filme encerra-se em sua beleza épica, numa sublime emoção e delicadeza existencialista.

Entre a Tragédia Fictícia e a Real

A Árvore da Vida” deixou de entrar para a história do cinema como um épico, para ser um comovente drama existencial, além de demarcar nas telas o início da agonia de um dos maiores atores do cinema. Se em “A Um Passo da Eternidade” (From Here to Eternity), em 1953, Montgomery Clift mostrou-se dilacerante nos campos de guerra, infelizmente o ator não pôde repetir aqui a sua tradicional sensibilidade e forma peculiar de transformar cada personagem em algo sublime. Durante todo o filme o ator parece flutuar, sem encontrar um ponto que arranque a emoção das suas expressões de homem envolventemente desprotegido, ou a luz etérea da imagem da angústia refletida em seus olhos. O ator vivia um dos momentos mais delicados e trágicos da sua existência. Um terrível acidente de automóvel no decorrer dos tempos das filmagens, deixaria marcas indeléveis no corpo e na alma de Montgomery Clift.
As filmagens de “A Árvore da Vida” foram iniciadas no início de abril de 1956. Seriam interrompidas em maio, quando na noite do dia 12, Montgomery Clift ao sair completamente bêbado de uma festa na casa de Elizabeth Taylor, envolver-se-ia em uma tragédia. A poucos metros da casa da atriz, bateu violentamente o carro em um poste telefônico. Ao ser informada do acidente, Elizabeth Taylor dirigiu-se ao local, chegando a tempo de salvar o amigo de morrer sufocado pelo próprio sangue, tirando-lhe dois dentes presos na garganta. Com a mandíbula quebrada, o nariz esmagado e várias escoriações faciais, Montgomery Clift foi obrigado a submeter-se a cirurgias reparadoras, ficando longe das filmagens de “A Árvore da Vida” por oito semanas. As cirurgias plásticas foram pagas com o dinheiro do seguro do filme, para tê-lo o mais breve possível de volta às rodagens da película. As marcas no rosto do ator podem ser vistas nas cenas do filme, em que se percebe perfeitamente as feitas antes e depois da tragédia. Com a face esquerda paralisada, o ator limitou a sua expressão intensa, dando a sensação etérea de flutuar sob a máscara de John Wickliff Shawnessy. Assim como Susanna Drake, Clift iria iniciar uma degradação emocional, regada por barbitúricos que passou a usar para se livrar das dores. Sua agonia seria longa, num suicídio lento que o levaria à morte em 1966, poucos meses antes completar 46 anos.
Elizabeth Taylor agarrou-se à alma de Susanna Drake, numa das mais memoráveis interpretações da carreira, que lhe valeu a indicação para o Oscar na categoria de melhor atriz. O filme receberia ainda três outras indicações ao Oscar, nas categorias de Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino e Melhor Trilha Sonora, além de dar o prêmio do Globo de Ouro para Melhor Ator Coadjuvante a Nigel Patrick. Na trilha sonora, Nat King Cole cantou a belíssima música título.
No decorrer dos anos, “A Árvore da Vida” foi um filme praticamente esquecido. Uma verdadeira injustiça com um dos filmes mais belos da década em que foi lançado e de todos os tempos. Rever a cumplicidade entre Elizabeth Taylor e Montgomery Clift é sempre um elogio à química perfeita de dois atores de belezas singulares e talentos ilimitados. Ver o rosto mutilado de Clift, escondido entre a maquiagem, mas demarcado por lhe roubar a expressão contida em cada olhar etéreo que sempre trocou com as câmeras, é entender um pouco o mito, perceber a sua essência e agonia, numa busca infindável pela inconstância da existência e dos sentimentos à flor da pele, ou ainda pela infindável busca dos troncos míticos da árvore da vida.

Ficha Técnica:

A Árvore da Vida

Direção: Edward Dmytryk
Ano: 1957
País: Estados Unidos
Gênero: Drama, Romance
Duração: 168 minutos / Cor (Technicolor)
Título Original: Raintree County
Roteiro: Millard Kaufman, baseado em romance de Ross Lockridge Jr
Produção: David Lewis
Música: Johnny Green
Coreografia: Alex Romero
Direção de Fotografia: Robert Surtees
Direção de Arte: William A. Horning e Urie McCleary
Figurino: Walter Plunkett
Maquiagem: William Tuttle
Edição: John D. Dunning
Efeitos Especiais: Warren Newcombe
Som: Wesley C. Miller, Van Allen James e Burdick S. Trask
Estúdio: Metro-Goldwyn-Mayer
Distribuição: MGM
Elenco: Montgomery Clift, Elizabeth Taylor, Eva Marie Saint, Nigel Patrick, Lee Marvin, Rod Taylor, Agnes Moorehead, Walter Abel, Jarma Lewis, Tom Drake, Rhys Williams, Russell Collins, Oliver Blake, Don Burnett, Michael Dante, Dorothy Granger, Myrna Hansen, Rosalind Hayes, DeForest Kelley
Sinopse: John Wickliff Shawnessy (Montgomery Clift), é um jovem poeta e professor que vive no condado de Raintree, Indiana. Mantém um romance sincero com Nell Gaither (Eva Marie Saint), sua conhecida desde os tempos de colégio. Idealista, pacifista e eternamente em busca das verdades da vida, ele sonha em um dia encontrar a mítica árvore da vida. Inesperadamente, envolve-se com Susanna Drake (Elizabeth Taylor), uma bela e rica jovem de Nova Orleans. Apaixonada, a jovem mente que está grávida, forçando John a se casar com ela. Já casado, ele descobre a outra face de Susanna, seus ardis e sua tendência genética para a loucura. Decepcionado com a sua vida ao lado da mulher, ele alista-se no exército da União, indo para as frentes de batalhas na Guerra da Secessão. Durante o tempo que está na guerra, Susanna deixa-se abater pela depressão, estando a um passo da loucura. Ao regressar, John irá lutar pela mãe de seu filho, numa tentativa de trazê-la de volta ao equilíbrio emocional, em uma lenta e agonizante batalha com um fim quase movido pela tragédia e pelo encontro com os segredos da vida.

Edward Dmytryk

Filho de imigrantes ucranianos, Edward Dmytryk nasceu em Grand Forks, na Columbia Britânica, Canadá, em 4 de setembro de 1908. Criado em São Francisco, na Califórnia, ele tornou-se projecionista da Paramount ainda aos quinze anos.
Edward Dmytryk iniciaria a sua carreira como diretor em 1935, quando realizou o seu primeiro filme, “The Hawk”. Na primeira década da sua longa carreira de cineasta fez filmes de orçamentos baixos e limitados, apesar de ter sido considerada a fase mais criativa da sua obra. Em 1944, realizaria “Até a Vista, Querida” (Murder, My Sweet), considerado o seu melhor filme daquela década, trazendo uma interpretação magnífica de Dick Powell. Em 1947, receberia por “Rancor” (Crossfire), a sua única indicação ao Oscar na categoria de melhor diretor, e a primeira para melhor filme.
Após a indicação para o Oscar, Edward Dmytryk sofreria um grande abalo na carreira e na vida pessoal. Naquele ano de 1947, foi acusado de ser comunista pelo Comitê de Atividades Anti-Americanas do Senado, fazendo com que fosse demitido pelo estúdio RKO, obrigando-o a refugiar-se na Inglaterra. Só retornaria aos Estados Unidos em 1950, para cumprir uma sentença de seis meses de prisão inferida pelo Comitê. Em 1951, passou por novos interrogatórios, levantando a suspeita de que teria denunciado o nome de diversos colegas, o que lhe criou para sempre o estigma de delator.
Mais tarde, Edward Dmytryk seria reabilitado por Hollywood, passando a dirigir grandes produções da era do Cinemascope. Em 1956, foi chamado pelo estúdio Metro-Goldwyn-Mayer para dirigir um épico à altura de “…E o Vento Levou”: “A Árvore da Vida”, com Montgomery Clift e Elizabeth Taylor, sendo até o seu lançamento, em 1957, o filme mais caro já produzido em Hollywood.
Edward Dmytryk continuou a dirigir filmes até a década de 1970. Em 1978 publicou uma autobiografia, “It’s a Hell of a Life, But Not a Bad Living”. Edward Dmytryk morreria pouco tempo antes de completar 91 anos, em 1 de julho de 1999, em Encino, na Califórnia, por causa de insuficiência cardíaca e renal.

Filmografia de Edward Dmytryk:

Longa-Metragem

1935 – The Hawk
1939 – Million Dollar Legs (Ela Prefere Um Atleta)
1939 – Television Spy (Espionagem Por Televisão)
1940 – Emergency Squad (Servidores da Lei)
1940 – Mystery Sea Raider (O Corsário Fantasma)
1940 – Golden Gloves (Luvas de Ouro)
1940 – Her First Romance (Seu Primeiro Romance)
1941 – Sweetheart of the Campus (A Namorada do Colégio)
1941 – The Devil Commands (Os Mortos Falam)
1941 – The Blonde From Singapore (A Loura de Singapura)
1941 – Under Age (Menores de Idade)
1941 – Secrets of the Lone Wolf (As Jóias do Imperador)
1941 – Confessions of Boston Blackie (O Segredo da Estátua)
1942 – Counter-Espionage (Dama em Perigo)
1942 – Seven Miles From Alcatraz (O Farol dos Espias)
1943 – Hitler’s Children (Os Filhos de Hitler)
1943 – Captive Wild Woman (A Mulher Fera)
1943 – Behind the Rising Sun (Atrás do Sol Nascente)
1943 – The Falcon Strikes Back (O Falcão Contra-Ataca)
1943 – Tender Comrade (Mulheres de Ninguém)
1944 – Murder, My Sweet (Até a Vista, Querida)
1945 – Back to Bataan (Espírito Indomável)
1945 – Comered (Acossado)
1946 – Till the End of Time (Noite na Alma)
1947 – Crossfire (Rancor)
1947 – So Well Remembered (Aquele Dia Inesquecível)
1949 – Obsession (Mórbido Despeito)
1949 – Give Us This Day (O Preço de Uma Vida)
1952 – Mutiny (Motim Sangrento)
1952 – Eight Iron Men (Oito Homens de Ferro)
1952 – The Sniper (Volúpia de Matar)
1953 – The Juggler (O Malabarista)
1954 – The Caine Mutiny (A Nave da Revolta)
1954 – Broken Lance (A Lança Partida)
1954 – The End of the Affair (Pelo Amor de Meu Amor)
1955 – Soldier of Fortune (O Aventureiro de Hong-Kong)
1955 – The Left Hand of God (Do Destino Ninguém Foge)
1956 – The Mountain (A Maldição da Montanha)
1957 – Raintree County (A Árvore da Vida)
1958 – The Young Lions (Os Deuses Vencidos)
1959 – Warlock (Minha Vontade É a Lei)
1959 – The Blue Angel (O Anjo Azul)
1962 – The Reluctant Angel (O Anjo Relutante)
1962 – Walk on the Wild Side (Pelos Bairros do Vício)
1963 – The Carpetbaggers (Os Insaciáveis)
1964 – Where Love Has Gone (Escândalo na Sociedade)
1965 – Mirage (Miragem)
1966 – Alvarez Kelly (Alvarez Kelly)
1968 – The Battle for Anzio (A Batalha de Anzio)
1968 – Shalako (Shalako)
1972 – Bluebird (O Barba Azul)
1975 – He is My Brother
1975 – The Human Factor (Vingador Implacável ou Destinados a Morrer)

Curta-Metragem

1956 – Bing Presents Oreste
1979 – Not Only Strangers


ALEXANDRE DA MACEDÔNIA, O GRANDE

janeiro 1, 2015

Alexandre, príncipe e rei da Macedônia, foi o maior conquistador do mundo antigo, estendendo o seu império do Mar Egeu ao Indo, do Cáspio às cataratas do Nilo, praticamente todo o mundo do seu tempo. Sua importância histórica é tida como imprescindível à cultura ocidental, considerado como quem consolidou e espalhou o helenismo pelas grandes civilizações antigas, difundido a filosofia que construiu as bases do Ocidente, sendo o precursor das idéias helenísticas mais tarde difundidas no mundo antigo pelos romanos e associados aos conceitos judaico-cristãos, na composição da atual civilização ocidental.
Personalidade controversa, movida pela intelectualidade moldada por Aristóteles, seu preceptor quando mancebo, pela vitalidade mística da mãe Olímpia, uma bacante iniciada em cultos orgíacos, pela ambição de ser um grande conquistador, trazia uma alma inquieta, conciliadora com os mundos que conquistou, violenta com os que se lhe opunham à grandiosidade de querer a glória, sanguinário com quem se lhe traísse, benevolente com aqueles que conquistava.
Se para a maioria dos historiadores foi o responsável pela expansão do helenismo, para outros foi apenas um general que acumulou glórias, deixando corromper-se pelos costumes orientais, dos quais usufruiu sem pudores, traindo os princípios filosóficos herdados de Aristóteles. Sua figura mítica confunde a história com a mitologia, na sua época, muitos consideravam-no filho do próprio deus do vinho, Dioniso (Baco), ou de Zeus (Júpiter), com lendas criadas ao seu redor que se confundem com a do mito do herói grego Aquiles.
Sua vida pessoal foi conturbada, com amores obscuros, vividos com eunucos e princesas orientais. Heféstion, amigo íntimo de toda a vida, é por muitos considerado o grande amor do imponente imperador do mundo. Sua vida breve foi marcada pela conquista do império, que não se sabe, até onde iria se tivesse vivido mais tempo, ou até onde o iria manter. Morreu aos trinta e três anos, de uma febre misteriosa. Seu império não sobreviveria à sua morte, restando o mito, a figura histórica, perpetuada por todos os milênios da humanidade.
Alexandre passou para a história como o Grande, ou o Magno. Nunca outro líder conquistou um império tão vasto em tão pouco tempo. Deixou como herança o encontro entre duas culturas, a ocidental e a oriental, quer como força motriz propulsora do helenismo ou transmissor dos valores orientais ao Ocidente. Alexandre, o Grande, riscou o céu da história como um cometa brilhante e fugaz, marcando-a para sempre.

Os Pais de Alexandre

O dia do nascimento de Alexandre III da Macedônia, diverge conforme a fonte, sendo aceitos os dias 20 e 22 de julho, em 356 a.C. Era filho de Filipe II da Macedônia e de Olímpia de Épiro. Nasceu na Macedônia, pequeno reino dos Bálcãs, ao norte da Grécia, com língua e influência direta do mundo helênico.
Filipe II era o terceiro filho do rei Amintas, sendo quando jovem, enviado para Tebas como refém. O fato seria decisivo, pois marcaria o contacto do macedônio com a cultura helênica, fundamental na sua formação. Com a morte do irmão Pérdicas III, Filipe tornou-se regente do sobrinho Amintas IV, proclamando-se rei durante aquele período. Filipe II tornou-se um rei poderoso, armando um imponente exército, com uma falange própria para o combate, ultrapassando a capacidade de manobra das milícias gregas. Filipe II assegurou as fronteiras macedônias nos Bálcãs, reforçou o seu domínio na Tessália e Trácia, sendo neutralizado em Atenas, quando já se preparava para ocupar toda a Grécia. Atenas e Tebas aliaram-se contra o rei macedônio, sendo mais tarde, sob o seu comando e do filho Alexandre, derrotadas na batalha da Queronéia, em 338 a.C.
A mãe de Alexandre era uma princesa do Épiro, conhecida como terra das bruxas, de adivinhos e das bacantes. Olímpia, segundo algumas fontes, realizava cerimônias trazendo serpentes domesticadas envoltas no corpo, comandando o coro das bacantes que a acompanhavam. A devoção de Olímpia a Dioniso, nome grego de Baco, o deus do vinho, gerou a lenda em torno do nascimento de Alexandre, que seria filho de Zeus-Sabas, o Baco do oriente. O deus no leito nupcial de Filipe e Olímpia, teria vindo em forma de serpente, entrando pelas entranhas da rainha. Filipe, ao tentar ver a intimidade da mulher no rito sexual sagrado com a serpente, teria perdido um olho pela fúria do animal-deus. Alexandre seria fruto dessa união do deus com Olímpia. O próprio Alexandre, quando se tornou o maior imperador do seu tempo, deu alento à lenda, assim, justificando a sua origem divina.
Quando criança, Alexandre não tinha os olhos da mesma cor, sendo o esquerdo azul claro e o direito castanho-escuro, o que alimentou ainda mais a lenda da sua origem divina. Além de conferir poder místico ao filho, a lenda justificava as iniciações orgíacas de Olímpia, fato que marcaria profundamente o caráter libertário e silvestre de Alexandre e, possivelmente a sua sexualidade.

Aristóteles, o Preceptor do Príncipe Macedônio

Em 343 a.C., o filósofo Aristóteles foi chamado à Macedônia para ser o preceptor do filho de Filipe II. Instalado no castelo de Ninféia de Mieza, próximo de Pella, a capital, Aristóteles iniciou o príncipe mancebo nas disciplinas de medicina, moral, geografia, metafísica, retórica, ciências físicas e naturais, problemas políticos, poesia de Homero, dos líricos, em especial, Píndaro, e dos trágicos. O filósofo grego ensinou a arte de governar ao príncipe.
A formação de Alexandre foi essencialmente helênica, contrapondo-se à da mãe Olímpia, que incentivava a natureza levada aos excessos, à brutalidade e à crueldade. O futuro conquistador levaria nos seu caráter a educação intelectual de Aristóteles e a educação física latente de Olímpia.
Nos seus ensinamentos, Aristóteles impôs a importância da superioridade da filosofia grega, tida como unidade suprema a ser assimilada pela antiguidade. A idéia de democracia grega jamais foi absorvida no todo pelo pupilo, tão pouco a supremacia do helenismo. Quando dominou o Oriente, Alexandre assimilou o que achou de mais interessante naquela cultura, mesclando-a com a helenística. O ideal de democracia grega já era decadente na própria Grécia de Aristóteles.
Os ensinamentos do preceptor formaram os pensamentos de Alexandre. Já feito rei, ele levaria sempre consigo, durante a campanha da Ásia a “Ilíada”, de Homero, sobre a guerra de Tróia, obra que revisou incansavelmente com Aristóteles. O príncipe macedônio teve um dos maiores sábios da sua época e de todos ostempos como preceptor. Os conhecimentos do mestre atingiam todos os domínios: histórico, literário, físico, matemático e lógico. Aristóteles proporcionava a educação erudita de um grande rei e estadista.
Alexandre era dotado de uma aguçada inteligência, sabendo absorver sagazmente os ensinamentos de Aristóteles, tornando-se o seu aluno preferido. Aluno e mestre travaram discussões filosóficas, mantidas por correspondências trocadas mesmo quando Alexandre estava na distante Ásia. Conceitos essenciais para aquele que entraria para a história como uma das personagens mais importantes do mundo antigo, senhor absoluto de um dos maiores impérios que já se teve notícia.

O Cavalo Bucéfalo

Ainda mancebo, Alexandre assistiu à negociação do pai por conta de um cavalo. Filipe II recusara pagar 13 talentos pelo animal, visto que ninguém o conseguia montar. O príncipe lamentou a atitude do pai em dispensar tão imponente animal. Lançou um desafio a todos os presentes de que poderia domar o cavalo.
Filipe II irritou-se com a intromissão do filho, que pôs em causa experientes cavaleiros, considerando um afronto aos mais velhos a censura do mancebo. Mas Alexandre insistiu que poderia domar aquele animal. O rei decidiu apostar com o filho, pronto para que se lhe fosse dada uma lição pela prepotência.
O episódio tornar-se-ia uma grande página na biografia de Alexandre. Usando da inteligência, o príncipe aproximou-se e agarrou o animal pelo freio, apercebera-se que o cavalo sentia-se atormentado com a própria sombra, por isto voltou-o contra o sol. Acariciou-o com as mãos, pronunciando-lhe palavras dóceis, até acalmá-lo. Subitamente montou o animal, sem lhe bater, correndo toda a brida.
Ao ver o príncipe em cima do animal, todos à volta temeram por sua sorte. Angustiado, Filipe II manteve-se calado. Com espanto viu Alexandre montar o animal com destreza e inteligência, sendo aplaudido por todos. Diante do feito do filho, o rei abraçou-o e beijou-o, dizendo-lhe que procurasse outro reino, porque a Macedônia não lhe bastava, não lhe podia conter as ambições.
Alexandre tomou o cavalo para si. Era Bucéfalo. O animal acompanhar-lhe-ia por toda uma vida, marcando como um símbolo da presença de seu dono nas batalhas que iria travar. Bucéfalo morreria, segundo algumas versões, envenenado, segundo outras, de velho, em 326 a.C., pouco tempo antes do próprio dono. Inconsolável com a perda do seu velho companheiro, Alexandre erigiu às margens do rio Hidaspes, local onde o animal morreu, a cidade de Bucéfala, em memória ao seu cavalo.
Ao domar Bucéfalo, Alexandre demonstrou cedo o seu caráter intrépido e destemido, associado à inteligência e à estratégia. Montado no animal, romperia praticamente todas as fronteiras do seu tempo, conquistando para si um colossal império, ainda pequeno diante da sua ambição sem fim.

A Batalha de Queronéia

Filipe II pôde constatar o valor enérgico e estratégico do filho ainda em seus exércitos. Na maior batalha que garantiu o seu poder sobre toda a Grécia, o rei contou com a presença do jovem príncipe.
A coalizão das cidades de Atenas e Tebas contra as pretensões expansionistas dos macedônios era a que mais atemorizava Filipe II. Uma batalha sangrenta seria travada entre os exércitos gregos e macedônios em 338 a.C., pondo fim à democracia ateniense. O episódio sucedido no dia 2 agosto daquele ano ficou conhecido como a Batalha da Queronéia.
Filipe II marchou para a planície de Queronéia, contra os gregos, com um exército composto por cerca de vinte e cinco mil infantes e cinco mil cavaleiros. À esquerda do rei encontrava-se toda a cavalaria dos Eteros, entre eles o seu filho Alexandre. Num embate violento, os exércitos atenienses foram isolados dos soldados tebanos, encontrando a derrota. O chamado Batalhão Sagrado dos tebanos teve os seus membros aniquilados, tombando um a um.
No final do dia, dois mil atenienses estavam mortos ou feitos escravos. Os exércitos tebanos sofreram grande carnificina. A vitória na Batalha de Queronéia consolidou o poderio de Filipe II, findando o período cultural e filosófico que assolara a Grécia antiga, tornando-a uma das maiores civilizações da antiguidade. Serviu para popularizar o jovem príncipe Alexandre, então com dezoito anos, que se mostrou um exímio estrategista e valente soldado.
Apesar de reconhecer a bravura do filho, Filipe II deteriorou a relação dos dois quando decidiu fazer de Cleópatra, sobrinha do poderoso Átalo, a sua segunda esposa. Durante as bodas, Átalo conclamou que a sobrinha geraria o verdadeiro herdeiro de Filipe II como rei da Macedônia. A afirmação irritou Alexandre, que lhe atirou uma taça de vinho no rosto.
O gesto de Alexandre irritou o pai. Furioso, Filipe II empunhou uma espada contra o filho, na intenção de matá-lo. Embriagado, o rei caiu, não conseguindo acertar o jovem príncipe. Irônico, Alexandre teria dito:
Meu pai quer ir da Europa à Ásia, mas é incapaz de passar de uma mesa para a outra.
Depois do incidente, Alexandre e sua mãe Olímpia, viram-se obrigados a deixar Pella, indo ela a exilar-se em sua pátria Épiro, e o jovem príncipe na Iliria. Mais tarde, Alexandre e Filipe II reconciliar-se-iam, marcando a sua volta à Macedônia.

Alexandre Torna-se o Rei da Macedônia

O reinado de Filipe II foi marcado pelo fortalecimento dos exércitos macedônios, pela expansão e subjugação dos inimigos, pela utilização da guerra e da força bruta como consolidação. O rei adquiriu ao longo do tempo, grandes aliados e inúmeros inimigos, o que lhe fez presa fácil de constantes conspirações.
Em 336 a.C., após desentendimentos com o pai, e um breve exílio, Alexandre retornou à Macedônia, assistindo à conspiração, que segundo alguns relatos, ele e a mãe Olímpia, teriam conhecimento, e que resultaria no assassínio de Filipe II por Pausânias.
Com a morte de Filipe II, gerou-se um impasse em quem seria o sucessor do rei. Átalo, fiel seguidor do rei morto, reclamava o trono para o filho nascido pouco antes do seu assassínio, fruto do segundo casamento com Cleópatra. Como tio da segunda esposa de Filipe II, Átalo esperava usar do prestígio que usufruía e tornar-se regente do sobrinho.
Outro candidato à sucessão era Amintas, filho de Pérdicas III, herdeiro legítimo do reino, de quem Filipe II usurpara o trono quando ele ainda era criança.
Alexandre, visto como o verdadeiro herdeiro do rei morto, não contava com o apoio dos mais poderosos da corte. O fato não se devia à falta de preparo do príncipe, então com vinte anos, mas ao temor de que se ele ascendesse ao trono, trouxesse consigo a mãe Olímpia, conhecida por ser uma mulher vingativa e sem escrúpulos. Os fiéis seguidores de Filipe II temiam que a rainha preterida vingasse de todos que ficaram ao lado do rei quando ele decidira dela se separar. Outros não queriam que o príncipe continuasse as guerras do pai, principalmente a obsessão pela conquista da Pérsia. A conspiração que matara o rei teria contado com a ajuda dos persas.
Mas a bravura e a coragem de Alexandre eram admiradas pelos macedônios, que lhe tinham uma grande estima. O povo macedônio considerava Alexandre um herói, sendo apreciado por sua generosidade. Alexandre teve os seus direitos reais proclamados nas ruas, gerando uma pressão popular que lhe era favorável.
Assim, aos vinte anos, Alexandre tornou-se o sucessor de Filipe II, recebendo um reino tumultuado e convulsivamente político. O jovem rei mostrou-se desde cedo um monarca de grande pulso, tomando medidas enérgicas que puseram fim às agitações e perturbações dos seus inimigos. Tão logo subiu ao trono, deixou claro que estenderia os domínios do seu reino muito além do que fora o pai.

A Carnificina em Tebas

Baseado nos princípios helênicos, Alexandre construiu o seu reinado movido pela ambição de expandir o seu reino até o outro lado extremo do mar da antiguidade. Menos eloqüente do que o pai, ele preferia a ação, a busca da magnificência da glória. Montado no seu cavalo Bucéfalo, ele comandou um grande exército, seguindo sempre para o leste, expandido as suas fronteiras.
O caráter de Alexandre, o homem, é visto conforme o lado que se quer estudar do mito. Não se pode ter a visão contemporânea, pois estaríamos a limitar à crueldade a essência de um homem que viveu mais de dois milênios atrás, numa época em que os reinos conquistavam as suas fronteiras através da guerra e do fio das espadas sedentas de sangue. Para manter o reino herdado de um rei que o usurpara e o transformara em grande através de guerras e do sangue derramado, Alexandre utilizou-se da razão que lhe ensinara o mestre Aristóteles, e da essência brutal dos pais, fundamental para que sobrevivesse às hostilidades que o levariam a um império gigantesco, tomado a outros povos.
As diversidades foram aos poucos, limadas de forma bruta e muitas vezes, cruel. O jovem resolveu as diferenças com Átalo, que simplesmente foi assassinado. Olímpia assegurou que o filho não corresse o risco de um dia ser traído e ter o trono usurpado pelo irmão, o segundo na sucessão, filho de Filipe II com Cleópatra. Para isto, fez com que fosse assassinado, e que a mãe cometesse suicídio. Olímpia não só afastava possíveis fantasmas futuros, como também regozijava uma vingança pessoal sobre os que lhe arrastara ao exílio e à expulsão da Macedônia. Alexandre, consta em relatos, teria repudiado os atos da mãe, mas nada fez para evitá-los. Era o preço de herdar um reino construído pela força.
No ano de 335 a.C., Alexandre consolidou o seu poder nos Bálcãs; atravessou o Istro (Danúbio); e, enfrentou mais uma vez a elevação dos gregos. Os helenos sentiam-se humilhados por verem a sua cultura propagada por um macedônio, povo que consideravam inferior.
Apesar da assembléia federal realizada em Corinto reconhecer a hegemonia de Alexandre, os gregos viram-se incitados pelo rei persa Dario a mover uma guerra ao rei macedônio. Dario enviou dinheiro às cidades-estados gregas, para que se armassem contra Alexandre. Somente Atenas recusou a ajuda persa, mas Demóstenes aceitou a ajuda de trezentos talentos, utilizados para instalar uma revolta contra Alexandre.
Os exércitos de Alexandre marcharam contra a Grécia. No meio da confusão, correram rumores de que o jovem rei tinha sido morto em combate. Demóstenes aproveitou-se da notícia, espalhando-a ao povo ateniense em um discurso que incitava à revolta. Aproveitando-se da empolgação ateniense, Demóstenes enviou armas para Tebas, cidade que guardara a mágoa da carnificina que lhes causara os exércitos de Filipe II, em 338 a.C., na humilhante derrota na batalha da planície de Queronéia.
Enquanto corria a falsa notícia sobre a morte de Alexandre, os exércitos macedônicos aproximavam-se de Tebas. Os tebanos não acreditavam que o comando era do filho de Filipe II. Surpreenderam-se com a rápida chegada das falanges comandadas pelo jovem rei. Alexandre ainda tentou evitar entrar em Tebas, propondo uma negociação onde oferecia promessas de clemência. Pérdicas, comandante da vanguarda do exército macedônico, já em posição de ataque a Tebas, iniciou o combate sem esperar pelas negociações do seu rei.
A resistência heróica dos tebanos fez grandes baixas no exército inimigo, ferindo gravemente o seu comandante, Pérdicas, fazendo tombar muitos arqueiros. Ao ver os macedônios acossados, Alexandre avançou sobre Tebas, esmagando os defensores da cidade. A resistência tebana teve um alto preço, a cidade mergulhou em sangue, em um morticínio que atingiu mulheres e crianças. O sangue correu até nos altares dos templos, considerados sagrados por aqueles povos, matando quem ali se abrigara. Quando Alexandre ordenou que cessasse o combate, seis mil tebanos tinham sido mortos.
O destino de Tebas foi entregue por Alexandre, no dia seguinte ao fim das batalhas, à Assembléia da Liga de Corinto, para que os gregos decidissem o que fazer com a cidade. Inimigos históricos de Tebas, como os focenses, os beócios e os platenses, decretaram que a cidade deveria ser arrasada e que toda a população, incluindo mulheres e filhos, seriam vendidos como escravos, sendo somente poupados os sacerdotes e as sacerdotisas. Diante da decisão, Alexandre pediu para que a casa do poeta Píndaro fosse poupada. Tebas foi transformada em uma grande ruína, causando o lamento e a indignação dos gregos.
Finda a punição aos tebanos, chegara a hora do acerto final com os atenienses. Alexandre exigiu que os atenienses entregassem Demóstenes, Licurgo e Caridmo. Diante de uma possível revolta da população daquela cidade, o rei da Macedônia aceitou que os próprios atenienses julgassem os sublevados, conseguindo com este ato, apaziguar finalmente a Grécia.

Expansão Pela Ásia Menor e Pelo Egito

Quando a tranqüilidade voltou à Grécia, Alexandre pôde finalmente iniciar o seu projeto de expansão sobre a Ásia. O jovem rei achava que a hegemonia do seu reino e dos reinos gregos só estaria assegurada se o perigo que vinha do Oriente, especialmente da Pérsia, fosse eliminado.
Em 334 a.C., o rei partiu no início da primavera, em uma expedição militar rumo à Ásia Menor, atravessando o Helesponto, avançando até o rio Grânico, enfrentando ali, pela primeira vez, os persas, obtendo uma significativa vitória, conquistando a costa e o interior da Ásia Menor.
Após a Batalha de Grânico, Alexandre enterrou os seus mortos. Isentou dos impostos os pais e os filhos dos macedônios que caíram durante a batalha. Mostrou-se humano com os vencidos, ao mesmo tempo em que procurava saber como eles foram feridos, para que assim ampliasse os seus conhecimentos bélicos. Iniciava um diálogo com os orientais, respeitando-lhes os costumes, aprendendo com eles, e, livrando-os do julgo e da cultura persa.
Para ressaltar a vitória, enviou a Atenas trezentas armaduras completas, com a inscrição que afirmava a vitória do filho de Filipe II e dos helenos sobre os povos bárbaros. A cada cidade conquistada da Ásia Menor, Alexandre implantava a cultura helena, exaltando-a como vitoriosa. Ironicamente, os pensamentos gregos eram expandidos pelo mundo por um macedônio.
Em Sardes, cidade da Lídia, os seus habitantes vieram entregar ao rei conquistador os seus famosos tesouros. Para honrar os cidadãos conquistados, Alexandre escolheu um lugar ali apropriado, ordenando que se erigisse um templo em homenagem a Zeus, o senhor do Olimpo, e deus protetor dos macedônios. No meio de uma chuva torrencial, começou a ser erguido o templo onde outrora fora um antigo palácio real de Creso, rei da Lídia. A estátua de Zeus ali esculpida pelos lídios, assumiram, segundo algumas fontes históricas, não os traços famosos do deus, designada pelo escultor Fídias, mas os de Alexandre, o rei vitorioso.
Alexandre seguiu a sua marcha sobre a Ásia. Diante de uma aproximação iminente dos exércitos do filho de Filipe II, Dario III foi ao seu encontro. Em novembro de 333 a.C., a Batalha de Isso deu a vitória de Alexandre sobre o poderoso rei da Pérsia, iniciando o ocaso daquele grande império. Após a vitória, Alexandre seguiu, tomando a cidade de Damasco. Ainda naquele ano, prepararia a conquista da Fenícia e da Síria.
Em 332 a.C., promoveu o cerco a Tiro. Em agosto chegou a Gaza, seguindo para o Egito, sendo sagrado faraó em Mênfis. No Egito, o jovem rei começava o processo de expansão pessoal, assimilando à formação helênica que recebera, a cultura oriental. Nas terras egípcias respeitou os antigos cultos aos seus deuses. No oásis de Siwa, foi reconhecido em seu templo como o filho de Amon e sucessor dos faraós. Ainda no Egito, fundou naquele ano Alexandria, a cidade que se iria transformar em um dos maiores centros de erudição da antiguidade.

Conflito Entre o Ideal Helênico e o Oriental

No ano de 331 a.C., Alexandre voltaria a enfrentar as tropas do poderoso Dario III. Em 1 de outubro, o rei persa seria definitivamente derrotado na Batalha de Gaugamelos, forçando à queda definitiva da Pérsia ante os macedônios.
Alexandre foi conquistando as principais cidades daquela região. Da Mesopotâmia à Pérsia, uma a uma caiu-lhe nas mãos: Babilônia, Susa e Persépolis.
Ao ser derrotado, Dario III fugiu, deixando para trás a família. Ao deparar-se com Sisigâmbis, a rainha-mãe, e com a mulher e as filhas do rei persa, Alexandre viu-as a saudar, por engano Heféstion. Como o amigo intimo do conquistador era o mais alto dos dois, a rainha-mãe pensou que ele fosse Alexandre, ajoelhando-se aos seus pés. Irônico, Alexandre disse à senhora: “Não te enganas, minha venerada mãe, este é Alexandre”, insinuando que Heféstion também era uma parte dele. Alexandre assegurou à rainha que nada aconteceria a ela e aos filhos de Dario, num gesto de comiseração humana.
Em julho de 330 a.C., a fuga de Dario III chegaria ao fim, quando foi morto, não pelas mãos de Alexandre, mas por uma conspiração dos sátrapas, que guiados por Besso, Barsaentes e Nabárzanes, adentraram-se durante a noite na tenda do rei persa, arrastando-o na intenção de levá-lo prisioneiro para a Bactriana, onde negociariam com Alexandre, trocando-o pela paz.
A notícia da conspiração causou tumultos entre os persas, provocando um grande número de sediciosos, obrigando Alexandre a ir ao encalço dos conspiradores, antes que se gerasse uma revolta sem contornos. Quando Alexandre cercou os conspiradores, Besso trespassou o corpo de Dario III com um dardo. Alexandre encontrou o cadáver do grande rei persa, cobrindo-o com o seu manto púrpura. Em seguida, honrou-o como um rei, enviando o cadáver para que fosse enterrado em Persépolis, por sua mãe Sisigâmbis.
Morto Dario III, Alexandre foi proclamado rei da Ásia e sucessor da dinastia persa. O processo de orientalização de Alexandre acentuou-se ainda mais, quando ele passou a usar a tiara persa e a participar do ritual cerimonial da corte oriental. Alexandre deparou-se então, com o conflito entre duas civilizações, a Oriental e a Ocidental, numa separação clara de dois mundos que não se queriam conciliar, e quando o fazia, era através das lanças e das espadas.
Fiéis seguidores do rei começaram a ver com desconfiança a simpatia dele pelos orientais. Não aceitavam que os vencidos fossem tratados com tanta simpatia e benevolência, tão pouco que se lhe impusessem os seus costumes. O ideal grego era considerado pelos exércitos de Alexandre como superior, não podendo ser contaminado pelo ideal oriental. Supostas conspirações chegaram aos ouvidos de Alexandre, sendo Filotas, filho de Parmênion, o principal acusado. Reunindo-se em um conselho de guerra, ficou decidido que Filotas seria executado. Sem direito à defesa, ele foi morto a golpes de dardos e pedradas pelos seus antigos amigos e companheiros de batalhas.
Temendo uma revolta de Parmênion, pela morte do filho, também o destino de um dos mais bravos comandantes dos exércitos de Alexandre foi decidido. Polidamos foi enviado por Alexandre a Ecbátamos com ordem explícita para eliminar Parmênion. Mortos pai e filho, não morreu a visão que tinham dos orientais, considerados por eles bárbaros. Tão pouco o sentimento helênico, sabendo que a sua cultura era difundida não por um grego, mas por um macedônio.
A morte de Parmênion e Filotas abriu uma ferida que jamais foi cicatrizada. Dois anos depois, quando Alexandre oferecia um banquete, Clito, fiel companheiro do conquistador e um dos maiores chefes militares do exército macedônico, não conteve a sua irritação diante do rei, lembrando-o da chacina que vitimara Parmênion e os seus filhos, acusando-o de convidar bárbaros para a sua mesa e matar fiéis companheiros. Movido pela ira, alentada em parte pelo excesso de vinho, Alexandre levantou-se da mesa, empunhando a espada contra Clito. Os demais convidados tentaram impedir o ato insensato do rei, escondendo-lhe as armas. Mas Alexandre não conteve a fúria, tomando a lança das mãos de um guarda, arremessando-a contra Clito, que caiu morto aos seus pés. Ao tomar consciência do seu ato, Alexandre foi acometido de um terrível remorso. Em um impulso, arrancou a lança do corpo de Clito, tentando com ela matar a si próprio. Os amigos do rei impediram que cometesse mais um ato de insensatez, levando-o para o seu leito. Alexandre era conduzido em meio de gritos lancinantes que emitia, acompanhado de um choro compulsivo. Durante três dias ficou junto ao cadáver de Clito, chorando a sua morte.
Outra conspiração envolvendo a condenação à orientalização de Alexandre foi efetuada pelos pajens, assim denominados os filhos dos nobres macedônios quando chegavam à adolescência e eram chamados para começar as suas carreiras, formando um escorte especial do rei em campanha. A revolta foi causada por Hermolau, admirador da filosofia de Calistenes, sobrinho de Aristóteles. Hermolau, ao desobedecer a Alexandre por conta da caça a um javali, foi açoitado por ordem do rei, causando revolta nos amigos pajens. Juntos, decidiram assassinar Alexandre. Descobertos, foram todos lapidados.
Calistenes, historiador do seu tempo, era um admirador de Alexandre. Não era soldado. Quando chegou a Ásia, revoltou-se com os costumes orientais praticados pelo rei. Heleno convicto, durante um banquete em que Heféstion quis introduzir o cerimonial usado na corte persa, onde todos deveriam se prostrar diante do rei e receber o beijo de gratidão, recusou-se se submeter a tais práticas bárbaras. Foi encarcerado e posto a ferros, morrendo, segundo historiadores, enforcado. Mais uma vez o encontro de duas culturas eram confrontadas, gerando mártires. A morte de Calistenes pôs fim à longa correspondência trocada entre Alexandre e Aristóteles. Talvez fim ao último contacto do imperador com os pensamentos filosóficos do mundo helênico.

O Conquistador Chega à Índia

As conquistas de Alexandre pareciam não ter limites. Quanto mais avançava e estendia as fronteiras do seu império, mais se distanciava da sua terra natal. Seu carisma e triunfo compensavam a longa ausência, fazendo os macedônios um povo fiel ao poderoso rei ausente.
A fama de Alexandre percorria todas as terras. Em Jerusalém chegou a ser identificado com aquele que os livros sagrados profetizaram através de Daniel. Perdoou aos hebreus e prestou adoração ao Deus único, dizendo ter visto os sacerdotes do templo vestidos de branco em sonhos. Poupou Jerusalém, isentou o sétimo ano de impostos e ordenou que se lhe fosse respeitados a crença e os costumes monoteístas. Alexandre tornou-se uma figura mítica no seu tempo, sendo criadas várias lendas em torno da sua personalidade. Muitos identificavam-no com o próprio Aquiles.
Na sua conquista ao mundo, Alexandre atravessou em 329 a.C., o Parapamiso (Hindu-Cuxe). Conquistou a Samarcanda e a Bactriana, conquistando a seguir a Sogdiana, tomando Maracanda. Durante a conquista, conheceria a bela Roxane, com quem se iria casar.
Em 327 a.C. partiu em sua expedição indiana, ultrapassando o Hindu-Cuxe. Seguiu o Indo, atravessando o rio Hidaspes. Às margens deste rio, erigiu Bucéfala, em homenagem ao seu famoso cavalo ali morto. Em 326 a.C. chegou ao rio Hifaso, ou Bias. Após enfrentar grandes batalhas na Índia, completamente esgotadas fisicamente, as tropas do conquistador amotinaram-se, recusando-se a continuar, obrigando-o a retornar. Numa volta penosa, o grande rei desceu o Hidaspes. Venceu os males e os seus aliados, mas foi ferido gravemente em batalha, sendo retirado da luta sob a proteção fechada dos seus homens.
No seu regresso, em 325 a.C. atravessou o deserto de Gedrósia. Durante a passagem pelo deserto, perdeu dez mil homens. Quando chegaram a Pura, pareciam zumbis errantes. Um bacanal em Pura restabeleceu a força das tropas. Alexandre partiu para a Carmânia, inquieto pela falta de notícias de parte da suas tropas comandadas por Nearco. Grande foi a emoção que sentiu Alexandre ao reencontrar Nearco e os seus soldados. Ao vê-los, chorou emocionado, pois já os pensava mortos.
Diante do cansaço e desgaste físico dos seus exércitos, Alexandre retornaria a Persépolis e a Susa. Ao retornar, em 324 a.C., cairia gravemente doente no ano seguinte, não tendo mais tempo de conquistar o mundo. Alexandre, já a esta altura conhecido como o Grande, encerrava abruptamente a expansão do seu império.

Vida Sentimental e Pessoal de Alexandre

Alexandre passou a maior parte da sua vida em campos de batalhas. Pouco tempo teve para viver uma vida pessoal intensiva. Poucos relatos amorosos fizeram parte da sua biografia, sendo oficialmente citados os seus dois casamentos, registrados em documentos históricos. Apócrifos são os relatos do seu envolvimento com homens. Muito que se tem especulado ao longo dos séculos sobre a sua homossexualidade, embora não tenha documento algum do seu tempo que a comprove.
Era um homem vaidoso, de cuidados especiais com a sua aparência. Vestia-se com esmero e luxo. Contrariando os da sua época, trazia o rosto raspado, sem a tradicional barba dos macedônios.
Relatos apontam que aos dezessete anos, Alexandre mostrava-se totalmente apático ao sexo. A mãe Olímpia, recorreu a Calixena, uma cortesã, para iniciar o filho nas artes do sexo. Conta-se que no decorrer da noite, diante da indiferença do príncipe, a cortesã fez-se autoritária, violando-o. Após grande esforço, conseguiu realizar um ato rápido e pouco satisfatório para ambos.
Em 328 a.C., Alexandre tomou como esposa Roxane, filha do aristocrata bactriano Oxyartes. A bela mulher foi capturada pelas tropas de Alexandre durante a conquista da Sogdiana. Muitos relatos afirmam que o casamento do rei macedônio com Roxane teria sido fruto de uma grande paixão. Outros acreditam que não passou de um ato político, com o qual Alexandre consolidava o seu poder no Oriente, unindo oficialmente as culturas helênicas e orientais. Roxane foi quem gerou o único filho do grande rei, Alexandre Aigos, nascido postumamente na Babilônia, em 323 a.C. Na disputa pela herança do império de Alexandre, Roxane e o filho ficaram sobre a proteção da rainha-mãe Olímpia, mas quando esta foi morta, em 316 a.C., os dois tiveram a sorte selada, sendo ambos assassinados em 309 a.C.
Um suposto amor vivido entre Alexandre e a rainha Cléofis de Massaga é rejeitado pela maioria dos historiadores. Jovem de rara beleza, Cléofis teria gerado um filho de Alexandre, chamando-o pelo nome do pai. O episódio é obscuro, sem que se apóie à veracidade histórica, sendo visto com uma lenda.
Em fevereiro de 324 a.C., Alexandre retornou a Susa, sendo recebido com festas e grande solenidade. Ali decidiu tomar uma segunda esposa. Optou por Estatira, a filha mais velha de Dario III, seu velho inimigo. Dripetes, a filha mais jovem do falecido rei persa, foi dada em matrimônio a Heféstion, o favorito de Alexandre. Num ato político, Alexandre ordenou que os seus soldados macedônios tomassem mulheres persas como esposas. No dia do casamento de Alexandre e Estatira, dez mil soldados gregos também se casaram com mulheres persas. Estatira, a segunda esposa do rei macedônio, não passou de um grande jogo político nas mãos do marido, que consolidava o seu império na Pérsia.
Outro personagem obscuro na vida de Alexandre seria o eunuco Bagoas, um cortesão persa, segundo alguns historiadores, um dos amantes preferidos do grande imperador. Bagoas teria tido grande influência sobre Alexandre em relação às atitudes favoráveis aos persas. Ter um eunuco como amante não era considerado entre os antigos um ato de homossexualismo, visto que os eunucos eram tidos sexualmente como mulheres.
Mas o companheiro de toda a vida de Alexandre teria sido Heféstion Amintoros, filho de Amíntor, um aristocrata da Macedônia. Heféstion teria tido Aristóteles como professor. Acompanhou Alexandre em toda a sua campanha pela Ásia, combatendo na cavalaria. O amor homossexual entre homens era uma prática na Grécia antiga, sendo aceito entre um homem mais velho e um jovem. Alexandre e Heféstion eram da mesma idade, o que fazia dos dois uma diferença aos costumes. Era costume aos homossexuais gregos a visita ao suposto túmulo de Pátroclo, companheiro inseparável de Aquiles. Numa visita a Tróia, Alexandre teria induzido Heféstion a visitar aquele túmulo com oferendas, enquanto ele fazia uma oferenda ao túmulo de Aquiles. O ato revelava ao seu exército de soldados a verdadeira face da amizade viril entre os dois. Esta passagem da vida do rei macedônio foi a que mais gerou o debate da sua suposta homossexualidade. Muitos são os relatos que afirmam ter sido Heféstion a pessoa que o grande rei mais amou em vida.
Apesar de toda especulação em torno do relacionamento entre Heféstion e Alexandre, em que se deduz que ambos foram amantes, a suposição jamais foi citada pelas fontes históricas mais antigas, sendo a citação ao fato atribuída a uma carta de Diógenes de Sinope, em que afirmava que Alexandre jamais seria capaz de deixar Heféstion, visto estar preso a ele pelas coxas.
Alexandre conferiu grandes poderes a Heféstion, fazendo dele o segundo homem do seu imenso império. Ao casá-lo com Dripetes, tornou-o seu cunhado. Na primavera de 324 a.C., Heféstion deixou Susa, acompanhando Alexandre até Ecbátanos, aonde chegaram no outono. Ali, Heféstion caiu gravemente doente, com sintomas de febre tifóide, apesar das suspeitas de envenenamento. Viria a morrer subitamente em sete dias. Alexandre quase enlouqueceu ao saber da morte do amigo. Em desespero, cortou os cabelos e as crinas e os rabos dos cavalos do exército, além de mandar executar Glaucias, o médico que atendera Heféstion. Em sinal de luto, Alexandre proibiu o toque de flautas no acampamento. Ficou esticado em cima do cadáver do amigo todo o dia e toda a noite. Durante o funeral, Alexandre pôs uma mecha dos seus cabelos nas mãos do companheiro, levando todo o exército às lágrimas.
Em meio aos eventos fúnebres, o rei massacrou os revoltosos da tribo dos Cosseanos, chamando a vitória de Sacrifício Fúnebre de Heféstion, repetindo a fúria de Aquiles quando vingou a morte de Pátroclo. Alexandre celebrou jogos fúnebres em homenagem ao amigo morto, determinando que ele deveria ser adorado como um herói divino. Guardou luto por meses. Alexandre ainda erigia um grande monumento funerário em homenagem a Heféstion, quando ele próprio foi acometido de uma febre mortal ao se encontrar em Babilônia.

A Morte de Alexandre, O Grande

Após a morte de Heféstion, Alexandre retornou à Babilônia, lá chegando na primavera de 323 a.C. Mesmo de luto, profundamente abatido pela morte do amigo, ele não desistiu da obstinação de conquistar o mundo. Em Babilônia ele traçou planos para conquistar a África e a Arábia, iniciando os preparativos de uma grande expedição que jamais se iria concretizar.
Alexandre desejava sair de Babilônia em breve, partindo rumo à península Arábica e ao norte da África. Durante o tempo que permaneceu na cidade, iniciou a construção de uma grande pira em homenagem a Heféstion, conclamando o início dos grandes jogos fúnebres.
Ainda na Babilônia, encontrou com uma grande embaixada helênica, além de incorporar aos seus exércitos mais vinte mil soldados persas. No mês de maio de 323 a.C., deu a ordem para que se celebrasse os funerais de Heféstion. Parte das muralhas de Babilônia foram derrubadas para que se construísse o grandioso edifício da pira, que resplandecia de ouro, prata e esculturas de bronze e mármore, custando doze mil talentos. Cânticos fúnebres em homenagem ao morto foram entoados por coros. Ao atear o fogo, Alexandre fez a libação ao amigo, elevando-o à categoria de herói divino. Dez mil touros foram sacrificados e distribuídos a todos, num grande banquete em memória a Heféstion. Foi a última festa grandiosa celebrada por Alexandre.
Na noite de 18 daesios (3 de junho), Alexandre voltou ao palácio, após ter comido e bebido muito. Após banhar-se, começou a sentir uma forte febre. Desde então, a sua saúde foi debilitando consecutivamente. Durante os três primeiros dias que foi consumido pela febre, Alexandre não se deixou abater. Foi sempre levado de liteira ao templo, onde fez sacrifícios aos deuses. Reuniu-se com os seus oficiais, confirmando a intenção de partir em expedição para a Arábia e para a África. Ainda no dia 21 daesios, após os banhos, continuava a ter febre, ainda assim, chamou os comandantes dos navios, recomendando-lhes que se apressassem nos preparativos para a grande expedição. No fim daquela tarde, após outro banho, o seu estado febril agravou-se.
Já bastante debilitado, no dia 22 daesios, celebrou com dificuldades sacrifícios aos deuses, reuniu-se mais uma vez com os oficiais, nomeando alguns cargos que faltavam no exército e para traçar as últimas medidas da campanha naval. A partir de então, já não conseguiu dar novas ordens. Piorava a cada hora. No dia 25 daesios, foi trazido dos aposentos do jardim para o palácio. Já não tinha voz, sendo tomado pela febre cada vez mais violenta. No dia seguinte, os soldados macedônios cercam as portas do palácio, na esperança de ainda ver com vida o seu rei. Aos gritos, a usar a força, conseguiram que se lhe abrissem as portas, e, um a um, sem armas e armaduras, desfilaram em túnica em frente do grande rei, que jazia mudo no leito, sem forças. Alexandre reuniu as últimas forças e levantou a cabeça a cada um dos seus soldados, acenando-lhes com os olhos. No dia 28 daesios, ou 13 de junho de 323 a.C., morria Alexandre, o Grande, acometido de uma grande febre, provavelmente em conseqüência de uma malária.
Durante o tempo em que esteve no leito de morte, vários foram os relatos que pontuaram aquele momento dramático. Um deles conta que, já tendo a certeza do fim, Alexandre pediu a Roxane a ajuda em um plano: quando desse o último suspiro, fosse o seu corpo atirado secretamente nas águas profundas do rio, para que os seus soldados e o povo pensassem que os deuses o haviam raptado. Roxane, então grávida do seu herdeiro, recusou cumprir a vontade do marido, deixando-o morrer não como um deus, mas como um simples mortal.
Alexandre, ainda no leito de morte, teria escrito uma carta a Olímpia, sua mãe:
Teu filho, depois de ter contado alguns instantes de vida, vai ser presa da morte; ele se dissipa como um relâmpago e só deixa depois de si um tema de conversação para as gerações futuras.”
Alexandre morreu um mês antes de completar 33 anos. Durante os treze anos do seu reinado, construiu um império que dominou quase todo o mundo da sua época. Passou a maior parte do reinado longe da Macedônia, a expandir o grande império em que foi rei absoluto. Muitos anos longe do mundo helênico onde foi gerado e onde se formou os seus princípios políticos e intelectuais, foi inevitável que adquirisse visões das terras orientais as quais conquistou, demonstrando concretas influências, sendo por isto criticado e acusado de traição ao helenismo por parte dos seus mais influentes generais e súditos.
O grande império de Alexandre não lhe sobreviveu, sendo dividido entre os seus generais, que entraram em discórdia tão logo ele morreu. A importância deste império efêmero foi vital para a história do Ocidente. Alexandre evitou que o poderoso império Persa ultrapassasse as fronteiras da Ásia Menor e dominasse a Grécia e, conseqüentemente, a Europa, na época ainda um berço de civilizações incipientes e atrasadas. O domínio persa certamente destruiria os princípios helênicos, fundamentais para a construção moral e ética da civilização ocidental. Ao fazer ruir o império persa, Alexandre voluntária ou involuntariamente, assegurou a sobrevivência da civilização grega, a helenização do judaísmo, abriu as portas para o grande e helenizado império romano, que por sua vez, concretizaria o cristianismo, formando os conceitos morais da atual civilização ocidental.
Não se sabe até onde iria Alexandre, se não tivesse morrido ainda longe de atingir a maturidade dos anos. Se ampliaria ainda mais o seu império, ou mesmo se o iria conseguir manter por mais tempo. Sabe-se apenas, que na história da civilização ocidental, poucos conquistaram tão grandioso império como ele, poucos foram tão longe. Nenhum foi o Grande, como Alexandre.


OSCAR – O MAIOR PRÊMIO DO CINEMA

março 3, 2014

 

Apesar de todas as polêmicas e contestações, o Oscar é considerado o maior prêmio atribuído aos que fazem cinema. Instituído há pouco mais de oito décadas, oAcademy Awards(Prêmio da Academia), continua a definir as tendências que omercado cinematográficomundial e, em especial, o norte-americano, deve seguir.
O Oscar é dado pelaAcademia de Artes e Ciências dos Estados Unidos, fundada na cidade de Los Angeles, na Califórnia, em 11 de maio de 1927, sendo concebida por Louis B. Mayer, um dos fundadores dos estúdios Metro-Goldwyn-Mayer. A cerimônia de entrega do Oscar, a mais antiga da mídia, é feita com pompa e glamour, estendo-se em uma passarela vermelha por onde passam as maiores estrelas do cinema, sendo recebidos no Teatro Kodak, desde 2002. Os prêmios atribuídos a cada edição correspondem aos filmes que estrearam no ano anterior à premiação.
Rejeitado pelos cinéfilos mais puristas, a importância do Oscar é indiscutível, pontuando carreiras, acrescentando valores monetários e popularidade mundial. Não define umacarreira de ator ou diretor, em um mercado dinâmico e instável, mas causa paixão entre os premiados e à platéia, estendida pelo mundo, que se maravilha com a atribuição da estatueta.
Nem sempre a qualidade está intimamente ligada aos premiados pelo Oscar, há grandes ícones da sétima arte que jamais o ganharam, como Charles Chaplin, Greta Garbo e Montgomery Clift, e construíram carreiras ímpares. E muitos que o ganharam, e simplesmente desapareceram do cenário cinematográfico.
Seja qual for a visão que se tenha do Oscar, artística ou comercial, o prêmio continua a ser o mais importante atribuído aos que fazem cinema. Levar a pequena estatueta para casa é o sonho de todos os atores, atrizes, diretores, produtores e roteiristas do mundo. É o reconhecimento, ainda que efêmero, daqueles que se propõem a construir os sonhos lúdicos da sétima arte.

Instituição do Prêmio e Locais da Cerimônia

Em 11 de janeiro de 1927, trinta e seis pessoas ligadas aomundo do cinema, entre eles Louis B. Mayer , Mary Pickford, Sid Grauman, Cecil B. DeMille, Douglas Fairbanks, George Cohen e Cedric Gibbons, reuniram-se em um jantar no Hotel Amabassador, em Los Angeles, com a proposta de fundar aAcademy of Motion Picture Arts and Sciences. Em 11 de maio daquele, um banquete realizado no Hotel Biltmore anunciava a fundação oficia da Academia, tendo como primeiro membro honorário Thomas Edison.
A primeira cerimônia de entrega do Oscar ocorreu no Hotel Roosevelt, em Hollywood, em 16 de maio de 1929. Foi apresentada pelo ator Douglas Fairbanks e pelo diretor William C. DeMille. Premiava os filmes estreados em 1927 e 1928. Desde então, vem sendo entregue anualmente, com exceções em 1930, ano em que teve duas entregas, e 1933, ano que não houve nenhuma.
De 1930 a 1943, os prêmios foram entregues primeiro no Ambassador Hotel, e, mais tarde, no Biltmore Hotel, em Los Angeles. Entre 1944 e 1946, foi entregue no Grauman’s Chinese Theater. Nos anos de 1947 e 1948, foi entregue no Shrine Auditorium. A 21º edição, em 1949, foi realizada no Oscar Theatre, em Melrose Avenue, em Hollywood, local que foi sede da Academia. De 1950 a 1960, as cerimônias de entregas do Oscar foram no Pantages Hollywood’s Theatre. Quando passou a ser transmitida pela televisão, a cerimônia de entrega deu-se simultaneamente em Hollywood e Nova York, entre 1953 e 1957, ocorrendo em Nova York no NBC Theatre. Encerrado o ciclo, voltou a ser entregue somente em Los Angeles. Em 1961, a cerimônia mudou-se para o Santa Monica Civic Auditorium, em Santa Mônica, na Califórnia. A partir de 1969, ficou decidido que a cerimônia voltaria para Los Angeles, ocorrendo no Dorothy Chandler Pavilion. Desde 2002, passou a ser entregue no Kodak Theatre, em Hollywood.

A Estatueta do Oscar

O prêmio símbolo da Academia é uma pequena estatueta de trinta e cinco centímetros de altura, pesando quase quatro quilogramas, feita em estanho e originalmente folheada a ouro de catorze quilates. Traz a forma de um homem sobre um pedestal no formato de um rolo de filme, portando uma espada atravessada verticalmente no peito.
A estatueta foi idealizada por Cedric Gibbons, diretor de arte, e pelo escultor George Stanley, conservando o mesmo formato desde a sua criação. O nome oficial Prêmio de Mérito da Academia, ficou conhecido pela alcunha de Oscar. Há algumas versões para esta alcunha, entre elas a de que a mítica atriz Bette Davis assim o teria chamado por achar a estatueta parecida com o seu primeiro marido. Outra variação da lenda é a de que Margareth Herrick, então secretária executiva da Academia, ao ver a estatueta achou-a parecida com o seu tio Oscar. A verdade é que a alcunha vingou, e o prêmio é por oito décadas, chamado de Oscar.
O valor real da estatueta não ultrapassa os duzentos dólares, mas o seu valor histórico não tem preço. Em 1993, a estatueta arrebatada por Vivien Leigh em 1940, pela interpretação contundente de Scarlett O’Hara em “…E o Vento Levou”, foi arrematada em leilão por 562 mil dólares.
A estatueta sofreu alterações não no formato, mas na composição, durante a Segunda Guerra Mundial. Por causa do racionamento de metal imposto pela guerra, na época ela foi confeccionada em gesso. Após o término do conflito mundial, os que foram agraciados com a estatueta de gesso tiveram os seus prêmios trocados pelas originais de estanho. Em 2010 a estatueta foi reforçada na composição com ouro de dezoito quilates.

Bastidores do Oscar

O processo de premiação do Oscar envolve cerca de 5.800 membros votantes da Academia. Todos os profissionais de cinema que já tiveram pelo menos uma indicação para o prêmio tornam-se automaticamente eleitores.
Os filmes que estrearam no mínimo uma semana antes do ano anterior à cerimônia, em pelo menos três cinemas de Los Angeles, são os concorrentes naturais ao prêmio. Os membros da Academia indicam cinco filmes selecionados para a escolha final. Cada membro indica a sua própria categoria, ou seja, ator indica ator, diretor indica diretor. Após a seleção, cada membro vota e elege um dos indicados em sua respectiva modalidade. Além das categorias tradicionais, entre elas a de melhor ator, melhor atriz, melhor filme, e melhor diretor, tem as categorias especiais, como Oscar honorário e memorial.
Em 2010, foram indicados dez filmes ao prêmio, fato que não acontecia desde 1944. As demais categorias continuaram com apenas cinco indicações.
Na história do Oscar, fatos envolventes marcaram as edições de entregas do prêmio, transmitidas pela televisão para milhões de telespectadores em todo o planeta. São as curiosidades que mais fascinam as pessoas.
Entre os recordes do Oscar estão:
Katharine Hepburn, que arrebatou quatro estatuetas, todas na categoria de melhor atriz. Em 1969, a atriz ganhou o Oscar pelo filme “O Leão no Inverno”, juntamente com Barbra Streisand, por sua atuação em “Funny Girl”. Era a segunda vez que acontecia um empate, tendo o outro ocorrido em 1932, quando Fredric March e Wallace Beery arrebataram o prêmio de melhores atores com os filmes “O Médico e o Monstro” e “O Campeão”, respectivamente.
Três foram os filmes que mais conquistaram prêmios, arrebatando onze estatuetas cada um: “Ben-Hur”, em 1960; “Titanic”, em 1998; e, “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei”, em 2004.
Meryl Streep foi a atriz que mais recebeu indicações ao Oscar, totalizando, desde 1979, dezesseis, das quais arrebatou duas estatuetas, uma como atriz coadjuvante, em “Kramer vs. Kramer”, em 1980, e “A Escolha de Sofia”, em 1983. Em seguida vem Katharine Hepburn, com doze indicações.
Considerada como conservadora, a Academia premiou pouquíssimos atores negros, sendo Hattie McDaniel a primeira atriz negra a conquistar a estatueta, em 1940, por seu desempenho em “…E o Vento Levou”. Sidney Poitier seria o primeiro ator negro a receber o Oscar de melhor ator, em 1964, por sua atuação no filme “Uma Voz nas Sombras”. Denzel Washington e Helle Berry receberiam o Oscar de melhor ator e melhor atriz, em 2002, pelos filmes “Dia de Treinamento” e “A Última Ceia”, respectivamente, sendo a única vez que dois negros levavam o Oscar de melhores intérpretes na mesma cerimônia.
O Conservadorismo não permitiu que Michael Douglas arrebatasse o prêmio em 1988, por sua atuação em “Atração Fatal”. No mesmo ano, indicado também pelo filme “Wall Street”, Michael Douglas receberia o prêmio de melhor ator, sendo que em “Wall Street” seu papel era meramente de coadjuvante.
Ainda no estigma das curiosidades, dois atores foram premiados postumamente: Peter Finch, melhor ator por “Rede de Intrigas”, em 1977; e, Heath Ledger, melhor ator coadjuvante por sua atuação em “O Cavaleiro das Trevas”, em 2009. Dois atores recusaram os prêmios, sendo eles George C. Scott, como melhor ator em “Patton”, em 1971, e Marlon Brando por “O Poderoso Chefão”, em 1973.
Marlee Matlin, foi a única atriz surda que recebeu o Oscar de melhor atriz por sua atuação em “Children of a Lesser God”, em 1987.
Todos estes ingredientes, fazem do Oscar o prêmio mais cobiçado e mítico de todo a indústria cinematográfica do mundo, criando astros e estrelas, muitas vezes estigmatizando carreiras. Seu fascínio e importância permanecem por mais de oito décadas. Seu glamourcontinua inabalável.
Em 2010, Kathryn Bigelow foi a primeira mulher a arrebatar o Oscar na categoria de melhor diretora, pelo filme “Guerra ao Terror”.

Vencedores nas Principais Categorias

Melhor Atriz:

1929 – Janet Gaynor – Sunrise/ Seventh Heaven e Street Angel 
1930 – Mary Pickford – Coquette
1930 – Norma Shearer – A Divorciada
1931 – Marie Dressler – Lírio do Lodo
1932 – Helen Hayes – O Pecado de Madelon Claudet
1934 – Katharine Hepburn – Manhã de Glória
1935 – Claudette Colbert – Aconteceu Naquela Noite
1936 – Bette Davis – Perigosa
1937 – Luise Rainer – O Criador de Estrelas
1938 – Luise Rainer – Terra dos Deuses
1939 – Bette Davis – Jezebel
1940 – Vivien Leigh – …E o Vento Levou
1941 – Ginger Rogers – Kitty Foyle
1942 – Joan Fontaine – Suspeita
1943 – Greer Garson – Mrs. Miniver
1944 – Jennifer Jones – A Canção de Bernadette
1945 – Ingrid Bergman – À Meia Luz
1946 – Joan Crawford – Almas em Suplício
1947 – Olívia de Havilland – Só Resta Uma Lágrima
1948 – Loretta Young – Ambiciosa
1949 – Jane Wyman – Belinda
1950 – Olívia de Havilland – Tarde Demais
1951 – Judy Holliday – Nascida Ontem
1952 – Vivien Leigh – Um Bonde Chamado Desejo
1953 – Shirley Booth – A Cruz da Minha Vida
1954 – Audrey Hepburn – A Princesa e o Plebeu
1955 – Grace Kelly – Amar é Sofrer
1956 – Anna Magnani – A Rosa Tatuada
1957 – Ingrid Bergman – Anastásia
1958 – Joanne Woodward – As Três Máscaras de Eva
1959 – Susan Hayward – Quero Viver!
1960 – Simone Signoret – Almas em Leilão
1961 – Elizabeth Taylor – Disque Butterfield 8
1962 – Sophia Loren – Duas Mulheres
1963 – Anne Bancroft – O Milagre de Anne Sullivan
1964 – Patrícia Neal – O Indomado
1965 – Julie Andrews – Mary Poppins 
1966 – Julie Christie – Darling
1967 – Elizabeth Taylor – Quem Tem Medo de Virginia Woolf?
1968 – Katharine Hepburn – Adivinhe Quem Vem Para Jantar
1969 – Katharine Hepburn e Barbra Streisand – O Leão no Inverno e Funny Girl
1970 – Maggie Smith – Primavera de Uma Solteirona
1971 – Glenda Jackson – Mulheres Apaixonadas
1972 – Jane Fonda – Klute
1973 – Liza Minnelli – Cabaret
1974 – Glenda Jackson – Um Toque de Classe
1975 – Ellen Burstyn – Alice Não Mora Mais Aqui
1976 – Louise Fletcher – Um Estranho no Ninho
1977 – Faye Dunaway – Rede de Intrigas
1978 – Diane Keaton – Annie Hall
1979 – Jane Fonda – Amargo Regresso
1980 – Sally Field – Norma Rae
1981 – Sissy Spacek – O Destino Mudou Sua Vida
1982 – Katharine Hepburn – Num Lago Dourado
1983 – Meryl Streep – A Escolha de Sofia
1984 – Shirley MacLaine – Laços de Ternura
1985 – Sally Field – Um Lugar no Coração
1986 – Geraldine Page – O Regresso Para Bountiful
1987 – Marlee Matlin – Filhos do Silêncio
1988 – Cher – Feitiço da Lua
1989 – Jodie Foster – Os Acusados
1990 – Jessica Tandy – Conduzindo Miss Daisy
1991 – Kathy Bates – Louca Obsessão
1992 – Jodie Foster – O Silêncio dos Inocentes
1993 – Emma Thompson – Retorno a Howard’s End
1994 – Holly Hunter – O Piano
1995 – Jessica Lange – Céu Azul
1996 – Susan Sarandon – Os Últimos Passos de Um Homem
1997 – Francês McDormand – Fargo
1998 – Helen Hunt – Melhor é Impossível
1999 – Gwyneth Paltrow – Shakespeare Apaixonado
2000 – Hilary Swank – Meninos Não Choram
2001 – Julia Roberts – Erin Brockovich
2002 – Halle Berry – A Última ceia
2003 – Nicole Kidman – As Horas
2004 – Charlize Theron – Monster
2005 – Hilary Swank – Menina de Ouro
2006 – Reese Whiterspoon – Johnny & June
2007 – Helen Mirren – A Rainha
2008 – Marion Cotillard – Piaf – Um Hino ao Amor
2009 – Kate Winslet – O Leitor
2010 – Sandra Bullock – Um Sonho Possível
2011 – Natalie Portman – Cisne Negro
2012 – Meryl Streep – A Dama de Ferro
2013 – Jennifer Lawrence – O Lado Bom da Vida
2014 – Cate Blanchett – Blue Jasmine

Melhor Ator:

1929 – Emil Jannings – O Último Comando / Tentação da Carne
1930 – Warner Baxter – No Velho Arizona 
1930 – George Arliss – Disraeli
1931 – Lionel Barrymore – Uma Alma Livre
1932 – Wallace Beery e Fredric March – O Campeão e O Médico e o Monstro
1934 – Charles Laughton – Os Amores de Henrique VIII
1935 – Clark Gable – Aconteceu Naquela Noite
1936 – Victor McLaglen – O Delator
1937 – Paul Muni – A Vida de Louis Pasteur
1938 – Spencer Tracy – Marujo Intrépido
1939 – Spencer Tracy – Com os Braços Abertos
1940 – Robert Donat – Adeus, Mr. Chips
1941 – James Stewart – Núpcias de Escândalo
1942 – Gary Cooper – Sargento York
1943 – James Cagney – A Canção da Vitória
1944 – Paul Lukas – Horas de Tormenta
1945 – Bing Crosby – O Bom Pastor
1946 – Ray Milland – Farrapo Humano
1947 – Fredric March – Os Melhores Anos de Nossas Vidas
1948 – Ronald Colman – Fatalidade
1949 – Laurence Olivier – Hamlet
1950 – Broderick Crawford – A Grande Ilusão
1951 – Jose Ferrer – Cyrano de Bergerac
1952 – Humphrey Bogart – Um Aventura na África
1953 – Gary Cooper – Matar ou Morrer 
1954 – William Holden – Inferno nº 17
1955 – Marlon Brando – Sindicato de Ladrões
1956 – Ernest Borgnine – Marty
1957 – Yul Brynner – O Rei e Eu
1958 – Alec Guiness – A Ponte do Rio Kwai
1959 – David Niven – Vidas Separadas
1960 – Charlton Heston – Ben-hur
1961 – Burt Lancaster – Entre Deus e o Pecado
1962 – Maximilian Schell – O Julgamento de Nuremberg
1963 – Gregory Peck – O Sol é Para Todos
1964 – Sidney Poitier – Uma Voz nas Sombras
1965 – Rex Harrison – Minha Bela Dama
1966 – Lee Marvin – Dívida de Sangue
1967 – Paul Scofield – O Homem Que Não Vendeu a Sua Alma
1968 – Rod Steiger – No Calor da Noite
1969 – Cliff Robertson – Os Dois Mundos de Charly
1970 – John Wayne – Bravura Indômita
1971 – George C. Scott – Patton
1972 – Gene Hackman – Operação França
1973 – Marlon Brando – O Poderoso Chefão
1974 – Jack Lemmon – Sonhos do Passado
1975 – Art Carney – Harry e Tonto
1976 – Jack Nicholson – Um Estranho no Ninho
1977 – Peter Finch – Rede de Intrigas
1978 – Richard Dreyfuss – A Garota do Adeus
1979 – Jon Voight – Amargo Regresso
1980 – Dustin Hoffman – Kramer Versus Kramer
1981 – Robert De Niro – Touro Indomável
1982 – Henry Fonda – Num Lago Dourado
1983 – Ben Kingsley – Gandhi
1984 – Robert Duvall – A Força do Carinho
1985 – F. Murray Abraham – Amadeus
1986 – William Hurt – O Beijo da Mulher Aranha
1987 – Paul Newman – A Cor do Dinheiro
1988 – Michael Douglas – Wall Street 
1989 – Dustin Hoffman – Rain Man
1990 – Daniel Day-Lewis – Meu Pé Esquerdo
1991 – Jeremy Irons – O Reverso da Fortuna
1992 – Anthony Hopkins – O Silêncio dos Inocentes
1993 – Al Pacino – Perfume de mUlher
1994 – Tom Hanks – Filadélfia
1995 – Tom Hanks – Forrest Gump
1996 – Nicola Cage – Despedida em Las Vegas
1997 – Geoffrey Rush – Shine
1998 – Jack Nicholson – Melhor é Impossível
1999 – Roberto Benigni – A Vida é Bela
2000 – Kevin Spacey – Beleza Americana
2001 – Russell Crowe – Gladiador
2002 – Denzel Washington – Dia de Treinamento
2003 – Adrien Brody – O Pianista
2004 – Sean Penn – Sobre Meninos e Lobos
2005 – Jaime Foxx – Ray
2006 – Philip Seymour Hoffman – Capote
2007 – Forrest Whitaker – O Último Rei da Escócia
2008 – Daniel Day-Lewis – Sangue Negro
2009 – Sean Penn – Milk
2010 – Jeff Bridges – Coração Louco
2011 – Colin Firth – O Discurso do Rei
2012 – Jean Dujardin – O Artista
2013 – Daniel Day-Lewis – Lincoln
2014 – Matthew McConaughey – Clube de Compras Dallas

Melhor Diretor:
1929 – Frank Borzage – Sétimo Céu (Drama) e Lewis Milestone – Dois Cavaleiros Árabes (comédia)
1930 – Frank Loyd – Divina Dama
1930 – Lewis Milestone – Sem Novidades no Front
1931 – Norman Taurog – Skippy
1932 – Frank Borzage – Depois do Casamento
1934 – Frank Lloyd – Cavalgada
1935 – Frank Capra – Aconteceu Naquela Noite
1936 – John Ford – O Delator
1937 – Frank Capra – O Galante Mr. Deeds
1938 – Leo McCarey – Cupido é Moleque Famoso
1939 – Frank Capra – Do Mundo Nada se Leva
1940 – Victor Fleming – …E o Vento Levou
1941 – John Ford – As Vinhas da Ira
1942 – John Ford – Como Era Verde Meu Vale
1943 – William Wyler – A Rosa da Esperança
1944 – Michael Curtiz – Casablanca
1945 – Leo McCarey – O Bom Pastor
1946 – Billy Wilder – Farrapo Humano
1947 – William Wyler – Os Melhores Anos de Nossas Vidas
1948 – Elia Kazan – A Luz é Para Todos
1949 – John Huston – O Tesouro de Sierra Madre
1950 – Joseph L. Mankiewicz – Quem é o Infiel?
1951 – Joseph L. Mankiewicz – A Malvada 
1952 – George Stevens – Um Lugar ao Sol
1953 – John Ford – Depois do Vendaval
1954 – Fred Zinnemann – A Um Passo da Eternidade
1955 – Elia Kazan – Sindicato de Ladrões
1956 – Delbert Mann – Marty
1957 – George Stevens – Assim Caminha a Humanidade
1958 – David Lean – A Ponte do Rio Kwai
1959 – Vicente Minnelli – Gigi
1960 – William Wyler – Ben-Hur
1961 – Billy Wilder – Se Meu Apartamento Falasse
1962 – Robert Wise e Jerome Robbins – Amor, Sublime Amor
1963 – David Lean – Lawrence da Arábia
1964 – Tony Richardson – As Aventuras de Tom Jones
1965 – George Cukor – Minha Bela Dama
1966 – Robert Wise – A Noviça Rebelde
1967 – Fred Zinnemann – O Homem Que Não Vendeu Sua Alma
1968 – Mike Nichols – A Primeira Noite de Um Homem
1969 – Carol Reed – Oliver 
1970 – John Schlesinger – Perdidos na Noite
1971 – Franklin J. Schaffner – Patton
1972 – William Friedkin – Operação França
1973 – Bob Fosse – Cabaret
1974 – George Roy Hill – Um Golpe de Mestre
1975 – Francis Ford Coppola – O Poderoso Chefão II
1976 – Milos Forman – Um Estranho no Ninho
1977 – John G. Avildsen – Rocky, Um Lutador
1978 – Woody Allen – Annie Hall
1979 – Michael Cimino – O Franco-Atirador
1980 – Robert Benton – Kramer versus Kramer
1981 – Robert Redford – Gente Como a Gente
1982 – Warren Beatty – Reds
1983 – Richard Attenborough – Gandhi
1984 – James L. Brooks – Laços de Ternura
1985 – Milos Forman – Amadeus
1986 – Sydney Pollack – África Minha
1987 – Oliver Stone – Platoon
1988 – Bernardo Bertolucci – O Último Imperador
1989 – Barry Levinson – Rain Man
1990 – Oliver Stone – Nascido em 4 de Julho
1991 – Kevin Costner – Dança com Lobos
1992 – Jonathan Demme – O Silêncio dos Inocentes 
1993 – Clint Eastwood – Os Imperdoáveis
1994 – Steven Spielberg – A Lista de Schindler
1995 – Robert Zemeckis – Forrest Gump
1996 – Mel Gibson – Coração Valente
1997 – Anthony Minghella – O Paciente Inglês
1998 – James Cameron – Titanic
1999 – Steven Spielberg – O Resgate do Soldado Ryan
2000 – Beleza Americana
2001 – Steven Soderbergh – Traffic
2002 – Ron Howard – Uma Mente Brilhante
2003 – Roman Polanski – O Pianista
2004 – Peter Jackson – O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei
2005 – Clint Eastwood – Menina de Ouro
2006 – Ang Lee – O Segredo de Brokeback Mountain
2007 – Martin Scorsese – Os Infiltrados
2008 – Joel Coen e Ethan Coen – Onde os Fracos Não Têm Vez
2009 – Danny Boyle – Quem Quer Ser Um Milionário?
2010 – Kathryn Bigelow – Guerra ao Terror
2011 – Tom Hooper – O Discurso do Rei
2012 – Michel Hazanavicius – O Artista
2013 – Ang Lee – As Aventuras de Pi
2014 – Alfonso Cuarón – Gravidade

Melhor Filme:

1929 – Asas 
1930 – A Melodia na Broadway
1930 – Sem Novidades no Front
1931 – Cimarron
1932 – Grande Hotel
1934 – Cavalgada
1935 – Aconteceu Naquela Noite
1936 – O Grande Motim
1937 – Ziegfeld – O Criador de Estrelas
1938 – Émile Zola
1939 – Do Mundo Nada se Leva
1940 – …E o Vento Levou
1941 – Rebecca
1942 – Como Era Verde o Meu Vale
1943 – Mrs. Minivir
1944 – Casablanca
1945 – O Bom Pastor
1946 – Farrapo Humano
1947 – Os Melhores Anos de Nossas Vidas
1948 – A Luz é Para Todos
1949 – Hamlet
1950 – A Grande Ilusão
1951 – A Malvada
1952 – Sinfonia de Paris
1953 – O Maior Espetáculo da Terra
1954 – A Um Passo da Eternidade
1955 – Sindicato de Ladrões
1956 – Marty
1957 – A Volta ao Mundo em 80 Dias
1958 – A Ponte do Rio Kwai 
1959 – Gigi
1960 – Ben-Hur
1961 – Se Meu Apartamento Falasse
1962 – Amor, Sublime Amor
1963 – Lawrence da Arábia
1964 – As Aventuras de Tom Jones
1965 – Minha Bela Dama
1966 – A Noviça Rebelde
1967 – O Homem Que Não Vendeu Sua Alma
1968 – No Calor da Noite
1969 – Oliver!
1970 – Perdidos Na Noite
1971 – Patton
1972 – Operação França
1973 – O Poderoso Chefão
1974 – Golpe de Mestre
1975 – O Poderoso Chefão: Parte II
1976 – Um Estranho no Ninho
1977 – Rocky, Um Lutador
1978 – Annie Hall
1979 – O Franco-Atirador
1980 – Kramer Versus Kramer
1981 – Gente Como a Gente
1982 – Carruagens de Fogo
1983 – Gandhi
1984 – Laços de Ternura
1985 – Amadeus
1986 – África Minha 
1987 – Platoon
1988 – O Último Imperador
1989 – Rain Man
1990 – Conduzindo Miss Daisy
1991 – Dança com Lobos
1992 – O Silêncio dos Inocentes
1993 – Os Imperdoáveis
1994 – A Lista de Schindler
1995 – Forrest Gump
1996 – Coração Valente
1997 – O Paciente Inglês
1998 – Titanic
1999 – Shakespeare Apaixonado
2000 – Beleza Americana
2001 – Gladiador
2002 – Uma Mente Brilhante
2003 – Chicago
2004 – O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei
2005 – Menina de Ouro
2006 – Crash – No Limite
2007 – Os Infiltrados
2008 – Onde os Fracos Não Têm Vez
2009 – Quem Quer Ser Um Milionário?
2010 – Guerra ao Terror
2011 – O Discurso do Rei
2012 – O Artista
2013 – Argo
2014 – 12 Anos de Escravidão


VIADUTO DO CHÁ – SÍMBOLO DA MODERNIDADE PAULISTANA

fevereiro 25, 2014
Uma ponte fria de concreto armado é um dos maiores ícones da cidade de São Paulo, o Viaduto do Chá. O que lhe falta de beleza estética sobra-lhe de tradição e força histórica. O viaduto do Chá é o símbolo vivo da transformação da cidade, de simples entroncamento entre o litoral e o interior, em grande metrópole do planeta.
Construído no Morro do Chá, local de cultivo de hortaliças e chá no fim do século XIX, o viaduto era inicialmente, uma estrutura metálica que atravessava o Vale do Anhangabaú, ligando a Rua Direita a Rua Barão de Itapetininga, numa travessia que se faria ao longo da convulsão de progresso que gerou a imensa cidade de São Paulo. Por aquela estrutura passavam pedestres, bondes elétricos, carroças, e, à medida do tempo, os automóveis.
Do alto do viaduto, assistiu-se à transformação do vale do Anhangabaú, a chegada dos arranha-céus, dos automóveis mais potentes e sofisticados, do aumento demográfico; até que a velha estrutura metálica tornou-se obsoleta, ultrapassada pelo próprio progresso que ajudara a desencadear algumas décadas antes.
Em 1938, o velho viaduto foi demolido. No seu lugar surgiu uma gigantesca estrutura de concreto armado. Sem a harmonia estética do primeiro, o novo Viaduto do Chá enquadrou-se na paisagem de edifícios e concretos que cobriram o céu paulistano, fazendo parte do seu frio, mas instigante cartão postal.
Mais de um século depois da sua construção original, o Viaduto do Chá faz parte do coração pulsante do centro velho da cidade de São Paulo. Milhares de pessoas atravessam-no todos os dias, olhando de cima, ainda que sem tempo de parar, a própria história urbana da imensa metrópole da garoa.

A Cidade Nova

Na segunda metade do século XIX, a cidade de São Paulo passou por um processo de crescimento que iria transformar a sua paisagem urbana, fazendo-lhe uma importante capital do Brasil Império. O progresso veio com o ciclo do café, produto que por décadas garantiria a economia do país.
A emergente cidade tinha no seu coração ruas de terra batida, quintais baldios e grandes chácaras, contrastando a paisagem urbana com o bucolismo rural. No meio daquele cenário bucólico estendia-se um vale de chácaras, local preferido para as crianças da época praticarem a caça aos passarinhos, onde eram cultivados hortaliças e o chá, ali introduzido por José Arouche de Toledo. Por este motivo o local passou a ser denominado Morro do Chá.
O aspecto bucólico do Morro do Chá foi aos poucos, sofrendo alterações com o progresso iminente, sendo abertas ali vielas e novas ruas como a Barão de Itapetininga, Formosa, 7 de Abril e Xavier de Toledo, transformando-se assim, em um novo bairro, que ficou conhecido como Cidade Nova.
Opondo-se à Cidade Nova, ficava do outro lado do Vale do Anhangabaú o núcleo tradicional do centro paulistano, a Cidade Velha, no qual se encontravam as principais ruas de comércio da cidade, desembocando no famoso Triângulo, delimitação das ruas 15 de Novembro, São Bento e Direita.
Constituído de ruas estreitas e irregulares, ladeado por pequenos largos e acentuadas ladeiras, o centro urbano velho da cidade passou a ser delimitado pelo excesso de atividade comercial que desenvolveu, ficando asfixiado pela falta de saída e interligação com o núcleo novo. Aos poucos, a idéia de uma ponte que pudesse unir a Cidade Nova à Cidade Velha passou a ser cogitada, fazendo-se cada vez mais necessária em face da grande cidade que ameaçava emergir a qualquer momento.

A Inauguração do Viaduto

Para atender às necessidades de crescimento do centro paulistano, foi apresentado, em setembro de 1877, um projeto do engenheiro francês Jules Martin, para a construção de um viaduto de 180 metros de extensão sobre o Vale do Anhangabaú, unindo os dois núcleos, ou seja, a Cidade Velha à Cidade Nova.
O projeto de Jules Martin consistia em estabelecer a ligação entre a Rua Direita e a Rua Barão de Itapetininga, atravessando os terrenos de cultivo de chá da Baronesa de Itapetininga, sendo executado mediante a cobrança de pedágio pela passagem, através da Companhia Paulista Viaduto do Chá.
O processo de loteamento da chácara da Baronesa de Itapetininga e arredores foi demorado, atrasando o projeto de Jules Martin. As obras só se iriam iniciar em 30 de abril de 1888, já no fim da monarquia, sendo interrompidas um mês depois, devido à resistência de alguns moradores dos arredores. Foram retomadas em 1889, após um longo e arrastado processo de desapropriação do sobrado do Barão de Tatuí, localizado em uma das cabeceiras do vale. Conta-se que o Barão recusava-se a sair da sua casa, só o fazendo quando a população paulistana, favorável à construção do viaduto, lançara às mãos picaretas e começou a atacar as paredes do sobrado. Diante da pressão popular, o Barão de Tatuí decidiu abandonar a casa, pondo fim ao último empecilho para a construção do viaduto.
As obras só seriam concluídas já na época da República. Em 6 de novembro de 1892, os paulistanos assistiram à inauguração daquele que se tornaria um dos símbolos míticos da cidade, o Viaduto do Chá. Era originalmente, uma estrutura metálica de 180 metros, importada da Alemanha, sendo a balaustrada decorada aristocraticamente em ferro forjado, numa largura de 14 metros.
No dia da inauguração, o viaduto foi enfeitado com flores e bandeiras. A cerimônia que o inaugurou foi festiva, com direito aos discursos solenes, tendo até quem sugerisse que o nome fosse alterado para “Viaduto do Café”, visto que era o poder cafeeiro que sustentava o crescimento da cidade, proporcionando aquela obra que simbolizava o progresso latente. Desfiles oficiais marcharam por arcos do triunfo, inaugurando a passagem, seguida por inseguros populares, que tinham medo de atravessar aquela gigantesca estrutura metálica, erguida em tão frondosa altura. A festa só foi interrompida por uma inesperada chuva que serviu de batismo.

O Novo Viaduto de Concreto Armado

O Viaduto do Chá original trazia portões e guaritas de madeira em suas extremidades, sendo vigiadas por guardas. Para atravessá-lo, eram cobrados três vinténs por pessoa, obrigando-a a passar por uma catraca. Quem não tinha como pagar, atravessava o percurso pelo matagal ali existente. Sobre a estrutura metálica atravessavam vigas de madeira, cruzadas longitudinalmente pelos trilhos dos bondes de tração animal. Nas laterais traziam passeios com pisos de tábuas de madeira, com vãos de um a dois centímetros, fazendo com que os transeuntes sentissem medo e vertigens. Era vetado o trânsito de carros com eixo fixo. No centro do viaduto tinha ainda, um grande portão, em que as carruagens passavam após pagamento. Este portão era fechado durante a noite. Era permitido aos pedestres admirarem de cima do viaduto, a paisagem das chácaras e dos pomares ainda abundantes nos arredores, tendo para isto bancos para descanso à disposição. O pagamento de pedágio fez com que os populares chamassem o local de “Viaduto dos Três Vinténs”.
Por quatro anos o Viaduto do Chá foi utilizado apenas pela elite paulistana. Um abaixo assinado correu pela cidade, sendo enviado à Câmara Municipal, protestando contra o pagamento do pedágio. Em 1896, a prefeitura adquiriu o viaduto, encerrando de vez com o pedágio, abrindo às portas do viaduto à população e ao progresso de uma cidade que já não podia parar de crescer.
Quando os bondes de tração animal foram substituídos pelos de tração elétrica, foi necessário um estudo sobre a resistência do material utilizado no viaduto. Para poder receber os novos transportes, foi feita no leito central uma laje de concreto. Os passeios laterais, então de tábuas de madeiras, foram substituídos por lajes postas sobre a estrutura metálica, que conforme fossem pisadas, oscilavam, fazendo com que os transeuntes não se sentissem seguros. Conta-se que quando os bondes elétricos passavam, todo o viaduto trepidava.
Com o crescimento desenfreado de São Paulo, pouco a pouco, o viaduto de estrutura metálica ficou obsoleto. No final da década de 1930, diante da nova realidade urbana e exigências do progresso, o então prefeito Fábio Prado decidiu construir um novo viaduto, abrindo um concurso para a escolha de um projeto. Elisiário Bahiana foi o vencedor, sendo o criador do novo Viaduto do Chá.
Em 18 de abril de 1938, os paulistanos assistiram ao início da demolição do velho Viaduto do Chá. No mesmo ano, um enorme viaduto feito de concreto, com uma largura duplicada, surgiu no lugar da velha ponte metálica. Era o novo e definitivo Viaduto do Chá, feito para resistir ao progresso e atravessar o novo milênio.
Desde 1938, poucas alterações foram feitas no Viaduto do Chá. Em 1977 foi alargada a calçada que liga a Rua Xavier de Toledo com a Rua Falcão Filho; e, proibido o tráfego de veículos particulares. Para a comemoração do centenário do viaduto, em 1992, o piso foi totalmente reformado.
Das chácaras de plantação de chá aos arranha-céus modernos, o Viaduto do Chá é o testemunho mais perene da evolução física e econômica de São Paulo, uma das maiores cidades do planeta.


POEMAS DOS LIVROS SAGRADOS

junho 3, 2013

 

A Bíblia, livro sagrado do cristianismo em seu todo, e do judaísmo nas chamadas “Escrituras Antigas”, ou “Velho Testamento”, traz em seu texto religioso os princípios fundamentais da palavra de Deus transmitida aos homens.
Escrita de forma épica, conta a história do homem desde a sua criação, aos pactos que o fez ligado ao Criador. Traz, fundamentalmente, as leis que servem de preceitos morais para que o homem seja digno do amor divino.
Importante fonte histórica, imprescindível na formação da moral ocidental, nos princípios que ligam o homem a Deus, o livro sagrado também é uma fonte de beleza poética, com textos de rara estética visual e metáforas líricas, que nos seduz pelas palavras, transcendendo o princípio da fé, pousando como uma suave e definitiva sensação de regozijo literário.
Na força das palavras reveladoras, a beleza verbal da palavra sagrada, que nos afasta dos precipícios da solidão universal, conduzindo-nos pela certeza do amor como adjetivo supremo para a ligação dos mortais a Deus.
“No amor não há temor, mas o perfeito amor lança fora o temor, porque o temor exerce uma restrição. Deveras, quem está em temor não tem sido aperfeiçoado no amor.” (1 João 4:18)
Três trechos são mostrados neste artigo, que se limita apenas a apresentar a poesia sonora e estética, sem se aprofundar na mensagem profética, sapiencial ou religiosa; atendo-se na beleza poética da descrição mais sublime do amor (1 Coríntios), na condição do homem diante de Deus, do tempo estabelecido à humanidade (Eclesiastes), e, na beleza etérea do leito nupcial (Cântico de Salomão). Três momentos do sagrado em uma visão unicamente literária. Três textos de envolvente beleza entre o erudito e o lúdico, o sagrado e o poético, o finito do homem com o infinito de Deus.

O Cântico dos Cânticos

Um dos livros mais poéticos da Bíblia é o “Cântico de Salomão”, também conhecido como “Cantares”, “Cântico dos Cânticos” ou “Cântico Superlativo”. Faz parte do que é chamado pelos cristãos de “Antigo Testamento”. A sua autoria é atribuída ao rei Salomão, filho de Davi. É um livro curto, constituído apenas de oito capítulos, formado por uma estrutura complexa, onde diferentes personagens adquirem voz, numa construção lírica. Três personagens constituem o poema: o noivo, o rei Salomão e a noiva identificada como Sulamita. Construindo um hino nupcial, coros sopram o doce ecoar dos sentimentos, dividindo-o no momento do início do amor e no do seu amadurecimento. Escrito de maneira sensual, com imagens telúricas a tocar no limiar entre o sagrado e o profano, oCântico de Salomão vem, ao longo dos séculos, suscitando algumas interpretações agnósticas e sendo questionado como texto sagrado. O belo poema nupcial permanece, entretanto, como parte do maior livro religioso do mundo ocidental, sendo interpretado por alguns como alegórico, em que os noivos seriam Deus e Israel na visão judaica, e Cristo e a igreja, na concepção cristã. Seja como for, é um dos mais belos poemas líricos de todos os tempos.

1 Ah, se fosses meu irmão, amamentando ao seio de minha mãe! Então, encontrando-te fora, poderia beijar-te sem que ninguém me desprezasse.
2 Eu te levaria, far-te-ia entrar na casa de minha mãe; dar-te-ia a beber vinho perfumado, licor de minhas romãs.
3 Sua mão esquerda está sob a minha cabeça; e sua direita abraça-me. 
4 Conjuro-vos, oh filhas de Jerusalém, não desperteis nem perturbeis o amor, antes que ele queira.
5 Quem é esta mulher que sobe do deserto apoiada em seu bem-amado?
Debaixo da macieira eu te despertei, onde em dores te deu à luz tua mãe. Onde em dores te pôs no mundo tua mãe.
6 Põe-me como um selo sobre o teu coração, como um selo sobre os teus braços, porque o amor é forte como a morte, a paixão é violenta como o Seol. Suas centelhas são centelhas de fogo, uma chama de Jah.
7 As torrentes não poderiam extinguir o amor, nem os rios poderiam submergi-lo. Se um homem desse toda a riqueza de sua casa em troca do amor, só obteria desprezo.
8 Temos uma irmã pequenina que não tem ainda os seus seios formados. Que faremos nós de nossa irmã no dia que for pedida?
9 Se ela for uma muralha, construiremos sobre ela ameias de prata; mas se ela for uma porta, fechá-la-emos com batentes de cedro.
10 Sou uma muralha, e meus seios são como torres. Neste caso me tornei aos seus olhos uma fonte de alegria.
11 Salomão tinha uma videira em Baal-Hamon. Confiou-a aos guardas, cada um dos quais devia dar mil moedas de prata pelos frutos colhidos.
12 Eu disponho de minha videira. Mil moedas para ti, ó Salomão! Duzentas para aqueles que velam a colheita.
13 Ó tu que moras nos jardins, os amigos estão atentos. Faze-me ouvir a tua voz.
14 Foge, meu bem-amado, como a gazela ou à cria dos veados sobre os montes perfumados!
 (Cântico de Salomão 8: 1-14)

O Tempo de Todas as Coisas

Outro livro poético e sapiencial do “Antigo Testamento” é “Eclesiastes”, ou Kohelet na versão hebraica. Sua autoria é atribuída ao mítico e sábio rei Salomão. No trecho descrito abaixo, o poema afirma a tranqüilidade de saber esperar o tempo certo de todas as coisas da vida. A descoberta de cada momento, do amor divino, das tribulações, dos segredos do trabalho árduo, do labutar secular, da procura única pelo repouso das armas, da guerra e da paz, como se a paisagem humana fosse o resultado de cada tempestade ou bonança, contida ou expandida nos ventos da existência. É a beleza pura da palavra divina na sua concepção poética.

1 Para tudo há um tempo determinado, sim, há um tempo para todo assunto debaixo dos céus;
2 Tempo para nascer e tempo para morrer; tempo para plantar e tempo para desarraigar o que se plantou;
3 Tempo para matar e tempo para curar; tempo para derrocar e tempo para construir;
4 Tempo para chorar e tempo para rir, tempo para lamentar e tempo saltitar;
5 Tempo para lançar fora pedras e tempo para reunir pedras, tempo para abraçar e tempo para manter-se longe dos abraços;
6 Tempo para procurar e tempo para dar por perdido; tempo para guardar e tempo para lançar fora;
7 Tempo para rasgar e tempo para costurar; tempo para ficar quieto e tempo para falar;
8 Tempo para amar e tempo para odiar, tempo para guerra e tempo para paz;
9 Que vantagem tem o realizador naquilo em que trabalha arduamente?
10 Vi a ocupação que Deus deu aos filhos da humanidade para se ocuparem nela.
11 Tudo ele fez bonito no seu tempo. Pôs até mesmo tempo indefinido no seu coração, para que a humanidade nunca descobrisse o trabalho que Deus tem feito do começo ao fim.
(Eclesiastes 3: 1-11)

O Amor na Inspiração Apostólica

Uma das mais belas descrições do amor, no sentido mais latente e extensivo da palavra, do abranger do significado universal das coisas, está na primeira epístola que Paulo de Tarso enviou à congregação de Corinto, no livro “1 Coríntios”, parte do Novo Testamento cristão. É o amor como sentido verdadeiro, construtivo e supremo. Nada o faz mais real se não a verdade, nada o dizima no todo como a mentira. Só no âmago do genuíno amor é feita a luz que conduz o fio tênue entre o homem e a magnificência de Deus. O amor aqui é soprado como o mais lírico de todos os cantos. Nunca a inspiração divina foi tão sensivelmente tão poética.

1 Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que retine.
2 E ainda que tivesse o dom de profetizar, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse o amor, nada seria.
3 E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
4 O amor é longânime e benigno. O amor não é invejoso, o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. 
5 Não se comporta indecentemente, não busca os seus próprios interesses, não fica encolerizado. Não leva em conta o dano.
6 Não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a verdade.
7 Suporta todas as coisas, acredita todas as coisas, espera todas as coisas, persevera em todas as coisas.
8 O amor nunca falha. Mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas; cessarão; havendo ciência, desaparecerá.
9 Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
10 Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
11 Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
12 Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
13 Agora, porém, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; mas o maior destes é o amor.
 (1 Coríntios 13: 1-13)


AS SUFRAGISTAS – A MULHER E O DIREITO AO VOTO

novembro 2, 2012

Inserida com direitos iguais na sociedade ocidental, a mulher atual está longe da opressão que sofreu ao longo dos tempos. Leitura, estudo, trabalho, voto, pílula anticoncepcional, ou mesmo o direito de usar calças e biquínis, coisas corriqueiras do cotidiano, foram motivos de longas batalhas femininas.

Durante alguns milênios, a participação da mulher na sociedade foi legada ao princípio da procriação e de coadjuvante do homem. Por séculos não lhes era permitido sequer o aprendizado da leitura, estando elas resignadas aos trabalhos no campo e em casa.
Com a industrialização, a mulher foi obrigada aos poucos, a se lançar no mercado de trabalho, adquirindo mais relevância nas decisões sociais do lugar de onde estava inserida. Direito à leitura, à educação, ao trabalho, ao voto e à sexualidade foram batalhas árduas, com vitórias relativamente recentes na cronologia da história das civilizações.
Uma das maiores vitórias femininas ao longo dos tempos foi o direito ao voto. Uma luta que se travou por quase um século, através de movimentos feministas que foram, no fim do século XIX, chamado de sufragistas. Com vitórias lentas, mas conclusivas, as sufragistas foram, aos poucos, ganhando o direito de voto por todos os países do planeta.
O primeiro país a conceder o direito de voto às mulheres foi a Nova Zelândia, em 1893. Desde então, as sufragistas foram às ruas das principais cidades do planeta, exigindo a participação das mulheres nas decisões políticas dos seus países. Só a partir da década de 1920 é que as nações ocidentais foram, aos poucos, dando direito ao voto às sufragistas. Ainda em pleno século XXI, alguns países de costumes mais conservadores, não permitem o voto feminino, as mulheres locais, continuam uma batalha igual à que viveram as do fim do século XIX e início do século XX.

A Evolução dos Direitos Femininos

Nas civilizações mais organizadas da humanidade, a mulher tinha sempre um papel fundamental dentro da casa, demarcando a sua importância na capacidade de gerar os filhos dos homens, servindo-lhes de alicerce invisível, sem jamais se sobressaírem a eles. Mesmo em civilizações consideradas mais avançadas, como a grega, a mulher era intelectualmente bastante limitada, sendo a sabedoria uma das virtudes tida como impossível ao caráter feminino.
A Revolução Industrial ocasionou um grande êxodo do campo para as cidades. Viver num centro urbano envolvia mais o homem com os problemas políticos do seu país, obrigando-o a ter maior participação nas decisões, até então comandadas por uma minoria milenar. Aos poucos, o homem da era industrial passou a conquistar direitos de sufrágio e trabalhistas que se lhe tornaram perpétuos. Com o colapso dos grandes impérios, a formação de países com governos eleitos, o direito ao voto pelo homem, na escolha de quem o iria governar, passou a ser universal .
Na conquista desses direitos, a mulher foi relevada ao segundo plano, apesar de começar a ser usada como mão-de-obra nas fábricas. Não tinham quaisquer direitos. Já na segunda metade do século XIX, os países mais desenvolvidos como a Inglaterra, tinha uma elevada população feminina solteira, mudando a face do processo matrimonial. As várias guerras travadas pelas nações européias, entre elas a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), obrigaram um número cada vez maior de mulheres substituindo a mão de obra masculina, visto que os homens partiam para os campos de batalha, sendo muitos feridos, mutilados ou mortos.
Esta participação feminina feita quase que compulsivamente às mudanças bruscas dos tempos, aguçou o sentindo de participação da mulher e a vontade de também poder opinar nas decisões civis e na escolha dos governantes. Diante da opressão da sociedade patriarcal, que negavam direitos básicos às mulheres, surgiram os primeiros movimentos feministas do século XIX. Com eles, surgiram as sufragistas, cuja principal reivindicação era o direito ao voto.

Nova Zelândia, Primeiro País a Conceder o Voto Feminino

A luta pelo direito da mulher ao voto só foi possível graças aos movimentos feministas surgidos no século XIX. O ponto inicial desses movimentos foi a Convenção dos Direitos da Mulher, realizada em Seneca Falls, no Estado de Nova York, Estados Unidos, em 1848. Durante o encontro, Susan Brownell Anthony e Elizabeth Cady Stanton, lideraram o início de uma luta pelo fim da escravidão nos Estados Unidos.
Susan Brownell Anthony tinha como idéia inicial inserir na luta a aprovação de uma emenda que desse o direito de voto às mulheres. A sua proposta sofreu grande dificuldade para ser aceita, fazendo com que as mulheres só assumissem a luta pelo fim da escravidão. Durante a Guerra Civil, Susan liderou a campanha que angariou quatrocentas mil assinaturas dos cidadãos norte-americanos, culminando com o a aprovação da emenda que extinguiu a escravidão naquele país. Foi a primeira vitória de um movimento feminino.
Em 1869, o território do Wyoming tornou-se pioneiro em permitir o direito ao voto feminino nos Estados Unidos. Três outros estados norte-americanos seguiriam o exemplo e, posteriormente, aprovariam o direito das mulheres ao voto, sendo eles Utah, em 1870; e, Colorado, em 1893. A aprovação não foi um consenso nos Estados Unidos. Quando o Wyoming foi elevado de território à Estado, parte da União exigiu a abolição do direito. O governo local declarou que preferia retardar cem anos a entrada do Wyoming para a União do que retardar os direitos políticos femininos. 
Susan Brownell Anthony, Lucy Stone e Elizabeth Cady Stanton concentraram a sua luta através da Associação Nacional Americana pelo Sufrágio da Mulher (National American Woman Suffrage Association), surgida em 1890, promovendo frenéticas campanhas pelo direito de votar. Nenhuma das três assistiriam em vida à aprovação do voto feminino. Lucy Stone faleceria em 1893; Elizabeth Cady Stanton, em 1902; e, Susan Brownell Anthony, em 1906. Ainda no século XIX, o Estado do Idaho aprovaria o voto feminino, em 1896.
Enquanto a luta feminina pelo voto nos Estados Unidos percorria um tumultuado caminho, um país da distante Oceania, a Nova Zelândia, tornava-se, em 1893, o primeiro do mundo a conceder o direito de voto à mulher, reafirmando os direitos políticos que elas tinham no âmbito municipal desde 1886.

As Sufragistas Britânicas

Paralelamente às lutas feministas nos Estados Unidos e na Oceania, na Europa os movimentos pelo direito da mulher ao voto foram intensos na Grã-Bretanha. Em 1866, o filósofo e jurista John Stuart Mill, apresentou ao Parlamento uma emenda assinada em conjunto por Sarah Emile Davis e por Garret Anderson, que dava direito às inglesas ao voto. A emenda foi derrotada por ampla maioria. Em 1884, uma nova emenda foi apresentada e novamente rejeitada.
O conservadorismo dos ingleses impedia que se aprovasse a emenda do voto feminino, apesar dele ser consentido para mulheres que fossem proprietárias, consideradas de forma legal como os homens. A luta tornou-se mais contundente, quando em 1897, a educadora Millicent Garret Fawcett e Lydia Becker fundaram a União Nacional de Sociedade de Sufrágio Feminino (National Union of Women’s Suffrage Societies – NUWSS).
A NUWSS, era uma associação de movimento inicialmente pacifista, mas a falta de resultados fez com que mudassem de estratégia. No início do século XX, as inglesas assistiram a outro país da Oceania a conceber o direito ao voto às mulheres, desta vez a Austrália, em 1901.
Espelhadas nos exemplos da Nova Zelândia e da Austrália, as inglesas radicalizaram. Em 1903, Emmeline Pankhurst rompeu com a NUWSS, criando a União Social e Política das Mulheres (Women’s Social and Political Union – WSPU), que por suas manifestações táticas de violência e sabotagem, passaram a ser chamadas pejorativamente de “suffragettes”, ou sufragistas. Elas promoviam incêndios a estabelecimentos públicos, ataques a casas de políticos e membros do Parlamento. Seus atos de protestos geraram uma violenta repressão por parte do governo, culminando com constantes prisões de suas líderes. Encarceradas, elas iniciaram uma greve de fome, interrompida pela administração carcerária com uma brutal alimentação à força. Os maltratos infringidos às sufragistas nas prisões, levaram a opinião pública a questionar a forma violenta do sistema carcerário britânico da época.
As manifestações públicas das sufragistas britânicas tornaram cada vez mais intensas e perigosas. Culminou com a atitude desesperada de uma das suas militantes, Emily Wilding Davison, que em junho de 1913, atirou-se na frente do cavalo do rei durante uma prova hípica, tornando-se a primeira mártir da luta pelo direito do voto feminino. O enterro da sufragista resultou em violentos protestos, causando quase que uma guerrilha urbana.

O Direito ao Sufrágio Feminino Espalha-se Pelo Mundo

Sem grandes manifestações ou protestos, outros países do mundo foram concedendo o voto feminino ao longo das primeiras décadas do século XX. Os países nórdicos da Europa foram os primeiros: a Finlândia, em 1906; a Noruega, em 1913; e, em 1915, a Dinamarca e a Islândia; sendo a Suécia o último país escandinavo a conceder o voto feminino, em 1918.
A Primeira Guerra Mundial levou os homens europeus para os campos de batalhas, obrigando as mulheres a exercerem os seus trabalhos nas fábricas. Tornando-se provedoras essenciais da família, as mulheres adquiriram maiores direitos, obrigando os governos de seus países à concessão do direito do voto a elas. Assim, o poder político foi tomando consistência. O voto feminino chegou à Holanda, em 1917; à Rússia, após a Revolução Bolchevique, em 1917; à Alemanha, em 1918; à Irlanda, em 1922; à Áustria, à Polônia e à Tchecoslováquia, em 1923.
A batalha árdua das sufragistas britânicas só teria a sua grande vitória em 1918, já no fim da Primeira Guerra Mundial, quando uma lei eleitoral foi promulgada, permitindo o voto às mulheres maiores de 30 anos. O direito pleno só viria dez anos depois, em 1928, quando foi promulgada a lei “Equal Franchise Act”, dando direito ao voto a todas as mulheres maiores de idade.
Nos Estados Unidos, alguns estados foram, através de consultas populares, permitindo o voto às mulheres: Washington, em 1910; Califórnia, em 1911; Arizona, Kansas e Oregon, em 1912; Montana e Nevada, em 1914. Em 1917, Jeanette Rankin foi eleita a primeira congressista norte-americana pelo Estado do Montana. Somente em 1920, seria aprovada a emenda constitucional que daria direito de voto às mulheres em todo o território americano.
Curiosamente, os países europeus de origem latina foram os últimos a conceder o voto feminino. Em Portugal, excepcionalmente, em 1911, a médica e viúva Carolina Beatriz Ângelo, contornando as leis, foi a primeira mulher a votar. O direito ao voto feminino da portuguesa só viria em maio de 1931, com várias limitações impostas, sendo só permitido plenamente após a Revolução dos Cravos, em 1974.
A Espanha permitiria o voto feminino em 1931. A França e a Itália somente após a Segunda Guerra Mundial, em 1945. A Suíça em 1971.
Na América Latina, o primeiro país a conceder o voto feminino foi o Equador, em 1929. Na Argentina, o voto feminino só viria em 1947, conseguido através de uma campanha liderada pela então primeira dama do país, Eva Perón.

O Sufrágio Feminino no Brasil

Sem a efervescência dramática das feministas européias e norte-americanas, o movimento pelo voto da mulher no Brasil foi uma luta bem mais branda, curiosamente iniciada por um homem, o intelectual César Zama, que em setembro de 1890, propôs o sufrágio universal, incluindo o feminino, durante a elaboração da primeira constituição da República.
Em 1891, Almeida Nogueira, outro constituinte, voltou a defender o voto feminino. Em janeiro daquele ano, 31 constituintes assinaram uma emenda ao projeto de Constituição, concedendo o voto à mulher. A rejeição à emenda foi imediata, tão violenta, que foi retirada. Se tivesse sido aprovada, o Brasil teria sido o primeiro país do mundo a conceder o voto feminino, antecipando-se à Nova Zelândia, que o faria em 1893.
No despertar do século XX, o desejo da mulher brasileira em votar manifestava-se em casos isolados como em Minas Gerais, em 1905, onde três mineiras alistaram-se e votaram.
A baiana Leolinda de Figueiredo Daltro é considerada a pioneira da luta feminina pelo voto no Brasil. Em 1910, ela fundou a Junta Feminina Pró-Hermes da Fonseca, em apoio à candidatura do mesmo à presidência do país. Quando o seu candidato saiu vitorioso, intensificou a sua campanha para que se concedesse o direito de voto da mulher.
No correr do século, o então deputado Maurício Lacerda apresentou por duas vezes, em 1917 e em 1920, emendas à Constituição que instituíam o voto feminino, sendo ambas rejeitadas. Dois projetos de lei, um elaborado no senado em 1919, e outro na câmara em 1924, também não vingaram.
Os movimentos femininos afloraram no Brasil. Em 1922, Bertha Lutz fundou no Rio de Janeiro, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, desenvolvendo uma importante campanha para que se fosse implantado os direitos eleitorais e políticos da mulher.
Em 1928, o Rio Grande do Norte tornou-se o Estado pioneiro em conceder o direito de voto à mulher. Naquele ano, as potiguares Celina Vianna Guimarães e Julia Barbosa foram as primeiras mulheres alistadas como eleitoras brasileiras. Ainda no Rio Grande do Norte, em 1928, a votação histórica no município de Lages, deu vitória a Alzira Teixeira Soriano, primeira prefeita do Brasil, eleita pelo Partido Republicano. A prefeita não terminaria o seu mandato, pois a Comissão de Poderes do Senado Federal, analisou as eleições naquele estado nordestino, pedindo a anulação de todos os votos que foram dados às mulheres.
O direito ao voto feminino no Brasil só seria obtido em 24 de fevereiro de 1932, através do Decreto nº 21.076, instituído no Código Eleitoral Brasileiro. O voto só era concedido às mulheres casadas e com a autorização do marido, limitando as viúvas e as solteiras, que só poderiam exercer o sufrágio se tivessem renda própria. As restrições só seriam eliminadas no Código Eleitoral de 1934, que ainda assim, não tornava o voto feminino obrigatório. Somente em 1946, com a promulgação de uma nova constituição naquele ano, o voto feminino perdeu totalmente às restrições, passando a ser obrigatório.
Ainda hoje, em pleno século XXI, as mulheres são minorias na vida política brasileira, com um número irrisório a ocupar cargos políticos. Mesmo diante deste desequilíbrio, têm os mesmos direitos que os homens. No mundo, algumas já se tornaram presidentes e ministras dos seus países. Já se distancia a época em que as sufragistas eram presas, faziam greve de fome ou atiravam-se em frente a um cavalo. Em contrapartida, muitos países no mundo, como o Kuwait, ainda negam o sufrágio às suas mulheres.


MIÚCHA & ANTONIO CARLOS JOBIM – ÁLBUM ANTOLÓGICO DA MPB

junho 18, 2012



Em 1977 a música brasileira assistiu ao encontro histórico de Tom Jobim e Miúcha, registrado no álbum “Miúcha & Antonio Carlos Jobim”, desde então um clássico da MPB. A voz afinada e tranqüila de Miúcha encontrou suporte decisivo no universo do maestro soberano, num disco em que ele abre mão da Bossa Nova jazzística, conforme era acusado na época, optando pela brasilidade genuína do som romântico e universal da sua obra.
O projeto do disco com Miúcha nascera dois anos antes, em 1975, e um ano depois do bem sucedido encontro com Elis Regina, no mítico “Elis & Tom”. Ao contrário do primeiro encontro, que teve uma projeção mínima nas paradas de sucesso, “Miúcha & Antonio Carlos Jobim”, foi responsável por vários sucessos nas paradas tão logo foi lançado, com três faixas, à partida, transformadas em trilhas de novelas, sendo uma delas, “Vai Levando”, abertura da novela “Espelho Mágico”, de Lauro César Muniz, no horário nobre da TV Globo, em 1977. Ao longo das décadas, outras faixas, “Pela Luz dos Olhos Teus” e “Sei Lá (A Vida Tem Sempre Razão)”, seriam aberturas de novelas de sucesso.
Miúcha, então incipiente nos discos, atingiria o ponto mais alto da sua carreira, tornando-se popular no Brasil. A divulgação do álbum, gerou um dos melhores shows estreados no Canecão, famosa casa de espetáculos carioca. No embalo, Miúcha e Tom Jobim dividiram o palco com Toquinho e Vinícius de Moraes. O show ficaria em cartaz no Rio de Janeiro por quase um ano, sendo registrado no álbum “Tom/ Vinicius/ Toquinho/ Miúcha – Gravado ao Vivo no Canecão”, outra grande pérola da MPB, lançado ainda naquele farto ano musical de 1977.
O projeto contou com a participação luxuosa de Chico Buarque, inicialmente previsto para participar de uma faixa, ficando em três delas. Definitivo, o álbum tornou-se atemporal, indo além do universo musical de Tom Jobim, passando pelos mais genuínos compositores da música popular brasileira, como Ary Barroso, Custódio Mesquita, Toquinho, Geraldo Carneiro e o eterno Vinícius de Moraes. Composições de autores ecléticos, as músicas vão da Bossa Nova ao samba canção, numa unidade irrepreensível que sustenta a proposta, fazendo a sofisticação do disco tocar na sensibilidade do grande público, ultrapassando as esferas elitizantes do culto ao mito de Tom Jobim.
Além do disco com Vinícius de Moraes e Toquinho, gravado ao vivo, o sucesso de “Miúcha & Antonio Carlos Jobim” deu origem a um segundo encontro entre a dupla, registrado em “Miúcha & Tom Jobim”, álbum de 1979, conhecido como o Volume II do encontro. Apesar de ser um bom disco, o disco de 1979 não teve o impacto e beleza do de 1977, único e intocável.

Fôlego Contunde nas Primeiras Canções

O primeiro encontro de Miúcha com Tom Jobim deu-se em 1975, quando ela participou da faixa “Boto” (Jararaca – Tom Jobim), do álbum “Urubu”, do maestro soberano. Desde então, arquitetou-se a idéia de juntos fazer um álbum.
Miúcha é daquelas cantoras que sempre carregou o estigma do parente mais brilhante, era a mulher de João Gilberto, a irmã de Chico Buarque, e mais recentemente, a mãe de Bebel Gilberto; o que não lhe faz jus ao talento individual e sensibilidade emotiva. Sua estréia profissional em disco deu-se em 1975, ao lado de João Gilberto e Stan Getz, no álbum “The Best of Two Worlds”. Quando chegou às mãos de Tom Jobim, era uma incipiente no mundo do vinil.
Produzido por Aloysio de Oliveira, “Miúcha & Antonio Carlos Jobim” foi lançado em 1977, trazendo doze faixas, contando com a participação especialíssima de Chico Buarque como cantor em três delas. O repertório, incluindo vários compositores diferentes, acentuou uma brasilidade que deu o tom aos arranjos musicais e à sonoridade do disco.
Vai Levando” (Chico Buarque – Caetano Veloso), abre o disco de forma contundente, já a mostrar a força que pulsará o repertório e a sua atmosfera. A canção foi feita para o show “Chico & Bethânia no Canecão”, em 1975, numa parceria poucas vezes explorada pelos autores. Traz a irreverência eterna de Caetano Veloso, mesclada com a poesia social de Chico Buarque. É cantada em três vozes, a de Tom Jobim, a de Miúcha e a de Chico Buarque. A letra fala da fama, da roda viva da vida, da pílula, das suas convulsões numa época de claustrofóbica ditadura e mudança de costumes, afinal 1977 trouxe após anos de luta contra os desgastados preconceitos morais e religiosos, a aprovação da lei do divórcio. “Vai Levando” é o existencialismo explícito, onde desfilam palavras do cotidiano midiático, como ‘Ibope’, ou marca de cerveja como ‘Brahma’. O disco mal tinha saído do forno e a canção tornou-se tema de abertura da novela global “Espelho Mágico” , um grande avanço na emissora de Roberto Marinho, que havia excluído Chico Buarque da sua programação desde a época dos festivais de canções, tendo-o como presença não grata.

“Mesmo com o nada feito,
com a sala escura
com o nó no peito,
com a cara dura
a gente não tem cura
mesmo com o todavia,
com todo dia,
com todo ia,
todo não ia,
a gente vai levando
a gente vai levando…”

Tiro Cruzado” (Nelson Ângelo – Marcio Borges) continua com a pressão existencialista social. Num corte de canivete na opressão, no desafio às imposições, na contundência amenizada pelas vozes educadas de Tom Jobim e Miúcha, dando o equilíbrio ao arranque passional e de denúncia social. Uma canção belíssima, que poucas vezes foi gravada na MPB, passando involuntariamente despercebida.

Filosofia das Noites nos Bares

Comigo É Assim” (Luiz Bittencourt – José Menezes) deixa o existencialismo social, distancia-se da Bossa Nova, abrindo-se um delicioso samba de breque, numa viagem ao fascínio da malandragem da noite carioca, nos desencontros de um casal que se amam e se odeiam no mesmo copo de cachaça. Malevolente e maliciosa, gostosa provocação de briga de amor na voz dos dois cantores.
Na Batucada da Vida” (Ary Barroso – Luiz Peixoto) segue as noites infinitas dos habitantes dos bares, dos desvalidos no limiar da rua e da vida. É a mulher da rua, da cachaça, das rodas marginais do samba, da batucada, da boemia como ideologia existencial. A voz de Miúcha arrasta-se ao piano acústico de Tom Jobim, desembocando no final ao coro das duas vozes que se encontram. Esta canção é quase um hino aos desvalidos, aos sobreviventes da noite e da bebida, numa atmosfera que se atira ao underground da vida.

“No dia em que eu apareci no mundo
Juntou uma porção de vagabundo da orgia
De noite teve samba e batucada
Que acabou de madrugada em grossa pancadaria
Depois do meu batismo de fumaça 
Mamei um litro e meio de cachaça – bem puxados
E fui adormecer como um despacho
Deitadinha no capacho na porta dos enjeitados”

Sei Lá (A Vida Tem Sempre Razão)” (Vinícius de Moraes – Toquinho), delicioso samba da época de ouro da dupla Toquinho e Vinícius de Moraes, cantada despretensiosamente a três vozes, tendo novamente a intervenção de Chico Buarque. A letra traz perguntas simples da vida, com suas dúvidas geradas nos copos de uísque do poetinha e nas mesas de bares onde ele encontrava uma inesgotável inspiração. Trinta e dois anos depois de ter sido gravada e lançada, esta versão foi tema de abertura da telenovela “Viver a Vida”, de Manoel Carlos, sendo a terceira música deste disco a abrir uma produção da TV Globo.

Canções de Amor e Bossa Nova

Miúcha resgatou aqui um clássico da obra do irmão, “Olhos Nos Olhos” (Chico Buarque). A canção tinha sido gravada um ano antes pelo próprio autor e por Maria Bethânia, interpretação que correu as paradas de sucesso da época. A voz solitária de Miúcha é acompanhada pelo piano infinito de Tom Jobim, sem intervenção da sua voz. Foge da verve passional de Maria Bethânia, sendo uma interpretação mais intimista, quase a olhar o sentimento para dentro, jamais para a explosão dramática externa.
Pela Luz dos Olhos Teus” (Vinícius de Moraes), traz um dos mais belos duetos que Tom Jobim participou. Composição solitária de Vinícius de Moraes, é luxuosamente transformada em doce poesia lírica e musical. Na primeira parte da canção, cada um canta alguns versos, na segunda parte cantam simultaneamente, depois duelam entre si, a despejar o amor da canção, transformada em uma suave valsinha, despretensiosa, mas autêntica. A canção foi feita de imediato tema da novela “Dona Xepa”, de Gilberto Braga, tornando-se a mais popular do álbum. Em 2003 voltou às trilhas sonoras, desta vez abrindo “Mulheres Apaixonadas”, novela de Manoel Carlos.

“Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai, que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar”

A leveza poética de “Pela Luz dos Olhos Teus” continua, desembocando na eterna e definitiva Bossa Nova de Tom Jobim, destilada em “Samba do Avião” (Tom Jobim), uma homenagem ao Rio de Janeiro, hino que recebe de volta os saudosos migrantes do Brasil. É a cidade mãe da Bossa Nova vista de dentro de um avião, pronto para pousar na mítica do Brasil sincrético. O aeroporto internacional do Galeão, ponto de chegada da canção, é hoje oficialmente chamado de aeroporto Maestro Tom Jobim. Homenagem mais que justa a Antonio Brasileiro.
Saia do Caminho” (Evaldo Ruy – Custódio Mesquita), canção de beleza melancólica, de ruptura com o amor, samba-canção da época de ouro das sofridas e emotivas cantoras pré-Bossa Nova. O fracasso do amor, da paixão, do projeto de vida a dois, a entrega da luta por se estar junto, tudo despejado pelas notas tristes do piano e pela voz enfumaçada na emoção de Miúcha.

Nostalgia e Saudade

O momento de grande apoteose chega com “Maninha” (Chico Buarque), canção feita especialmente para Miúcha. Chico Buarque faz aqui a sua terceira e última intervenção vocal no disco. Modinha saudosista, lírica, mostrando os jardins dos sonhos infantis e juvenis, relembrados na virada dos anos, na quebra da pureza que a vida se nos arranca. Momento de poesia límpida, numa visão de imagens saudosistas da inocência de todos nós. A canção também entrou para a trilha sonora de “Espelho Mágico”, pontuando duas vezes Chico Buarque dentro da emissora que lhe virara as costas por quase uma década.

“Se lembra da jaqueira
A fruta no capim
Os sonhos que você contou pra mim
Os passos no porão, lembra da assombração
E das almas com perfume de jasmim
Se lembra do jardim, oh maninha
Coberto de flor
Pois hoje só dá erva daninha
No chão que ele pisou”

Choro de Nada” (Eduardo Souto Neto – Geraldo Carneiro), alenta as lembranças latentes, viagem ao que se perde, através dos cenários imutáveis da cidade, quando as personagens por algum motivo, desligaram-se, deixando apenas um vazio que se percorre. A vida vista de um lado da rua, no cansaço dentro do cotidiano da cidade. Um sopro no vazio da noite, no nada da tristeza.
É Preciso Dizer Adeus” (Tom Jobim – Vinícius de Moraes) encerra este álbum histórico. Em doze canções, Tom Jobim só interviu em duas composições, sendo esta a segunda. Triste, pungente, numa dor que arranha em cicatriz, a canção era uma das preferidas de Tom Jobim. Composta em 1958, só foi usada por ele em momentos especiais, com cantores que lhe proporcionaram a emoção exigida. Voltaria a registrá-la três vezes, em 1981, com Edu Lobo, no álbum “Edu & Tom”; com Gal Costa, em 1993, no “Songbook Vinícius de Moraes”; e, na sua despedida, em 1994, no “Rio Vermelho”, com Ithamara Koorax. Nesta versão, Tom Jobim não interfere na parte vocal, deixando a voz de Miúcha transcender a melancolia aguda da canção. Era preciso dizer adeus, assim, o álbum antológico era encerrado. Fixando-se para sempre na galeria memorial da MPB.

“E essa beleza do amor
Que foi tão nossa
E me deixa tão só
Eu não quero perder
Eu não quero chorar
Eu não quero trair
Porque tu foste pra mim
Meu amor
Como um dia de sol”

O sucesso do disco proporcionou a sua divulgação através de um show no Canecão, que juntava a Tom Jobim e Miúcha, as presenças de Toquinho e Vinícius de Moraes. O espetáculo permaneceu em cartaz no Rio de Janeiro por quase um ano, percorrendo depois outras cidades. Foi registrado no álbum “Tom/ Vinicius/ Toquinho/ Miúcha – Gravado ao Vivo no Canecão”. Em 1979, Tom Jobim e Miúcha voltariam a se encontrar em outro álbum, “Miúcha & Tom Jobim”, gravado quase todo em Nova York. O volume dois da dupla apesar da qualidade, não trouxe a beleza estética e definitiva deste “Miúcha & Antonio Carlos Jobim”.

Ficha Técnica:

Miúcha & Antonio Carlos Jobim 
RCA Victor 
1977

Produção: Aloysio de Oliveira
Diretor Criativo: Durval Ferreira
Arranjos e Regências: Antonio Carlos Jobim
Técnico de Som: Mário Jorge Bruno
Direção de Arte: Ney Távora
Fotos: Ivan Klingen
Vocal: Tom Jobim e Miúcha
Participação Vocal Especial: Chico Buarque

Músicos Participantes:

Piano: Antonio Carlos Jobim
Bateria: Rubinho, Robertinho Silva e Wilson das Neves
Percussão: Ariovaldo Contesini
Baixo: Novelli, Luiz Alves e Edson Lobo
Flauta: Antonio Carlos Jobim, Danilo Caymmi, Franklin e Paulo Jobim
Violão: Dori Caymmi
Cello: Peter Dauelsberg

Faixas:

1 Vai Levando (Chico Buarque – Caetano Veloso) Participação: Chico Buarque, 2 Tiro Cruzado (Nelson Ângelo – Marcio Borges), 3 Comigo É Assim (Luiz Bittencourt – José Menezes), 4 Na Batucada da Vida (Ary Barroso – Luiz Peixoto), 5 Sei Lá (A Vida Tem Sempre Razão) (Vinícius de Moraes – Toquinho) Participação: Chico Buarque, 6 Olhos Nos Olhos (Chico Buarque), 7 Pela Luz dos Olhos Teus (Vinícius de Moraes), 8 Samba do Avião (Tom Jobim), 9 Saia do Caminho (Evaldo Ruy – Custódio Mesquita), 10 Maninha (Chico Buarque) Participação: Chico Buarque, 11 Choro de Nada (Eduardo Souto Neto – Geraldo Carneiro), 12 É Preciso Dizer Adeus (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)


O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN – ANG LEE

outubro 3, 2011
Um dos mais belos filmes feitos na primeira década de 2000, “O Segredo de Brokeback Mountain” (Brokeback Mountain), é, acima de qualquer tendência ou classificação, uma história de amor, um conceito da vida refletida nas escolhas que se faz, nas imposições morais da sociedade construída sobre os valores seculares, nos medos da vulnerabilidade dos sentimentos. O filme é o lado invisível da sociedade, que todos sabem existir, mas que relevam ao ostracismo dos seus pilares de moralidade.
Brokeback Mountain” é o amor vivido por dois homens, presos aos medos e às convenções do meio de onde vieram. Mais do que um filme de vertente homossexual, é uma história profunda da alma humana. É o amor vivido nos leitos clandestinos da existência, é a paixão essencial no seu íntimo e coadjuvante diante da sociedade. Uma história que se identifica não só a visão masculina, mas a da mulher, refletida no sofrimento contido de Alma Del Mar. Uma história que poderia facilmente ser identificada como vivida entre um homem e uma mulher casados, numa atmosfera que lembra outro drama, “As Pontes de Madison County”. É o amor consentido em seus labirintos, nos momentos de total sinceridade íntima, e de mentiras que constroem a vida social. Dois homens caminham a sua existência edificada no segredo puro dos seus sentimentos, paralelamente constroem família, uma vida social que não lhes refletem a essência, mas que é a oficial. Vivem o segredo da verdadeira alma, deixando respingos das suas verdades nos olhos contemplativos dos que os rodeiam. O amor é soberano entre eles, mas jamais a verdade social contada. Dividem o segredo, a existência, mas quando a vida ou a morte os separa, ficam à deriva das decisões da família civil, emergindo como meros coadjuvantes de cada um. Não lhes é permitido o corpo morto, as cinzas, a realização do mais tenro desejo final da eternidade. Para eles existem apenas as lembranças, o amor vivido na madrugada fria antes da sociedade despertar. A montanha como cúmplice, como uma verdade panorâmica magistral e silenciosa, guardiã do mais sincero segredo da alma humana, o sentimento.
Brokeback Mountain” é um drama na sua mais extensa composição. Ao contrário do que se propaga, não é um western, tão pouco a história de cowboys, mas de dois homens contemporâneos, presos nas limitações sociais do seu tempo, atemporais através dos sentimentos que vivem. Infinitos nas valias sociais, que mesmo no século XXI, continuam a respeitar seus conceitos de clã e família. É um filme de rara beleza fotográfica, música épica, e, principalmente, de atores. É nas interpretações memoráveis de Heath Ledger e Jake Gyllenhall que se sustenta toda a sua grandiosidade, estendida cronologicamente por mais de duas décadas. É um drama de amor, fazendo menor os conceitos de quem o vive, enaltecendo a coragem de quem não se deixa perder da sua essência emocional, mesmo vivida em segredo, clandestinamente.

A Montanha Inóspita

Produção canadense e norte-americana, realizada em 2005, “O Segredo de Brokeback Mountain” narra o relacionamento complexo e tempestivo de dois homens, numa seqüência cronológica que atravessa quase vinte anos.
Dirigido pelo cineasta taiwanês Ang Lee, é uma adaptação do conto homônimo de Annie Proulx, publicado pela primeira vez em 1997. Por trazer um tema delicado, que apesar de todos os tabus quebrados nas últimas décadas, o roteiro de Larry McMurtry e Diana Ossana, escrito no fim da década de 1990, ficou arquivado durante anos, sem conseguir financiamento para ser filmado.
Apesar de personagens fortes e fascinantes, os protagonistas da história assustavam aos atores diante de uma temática controversa e com cenas tão explícitas de romance homoerótico. O ator Mark Wahlberg, inicialmente convidado para viver Ennis Del Mar, recusou o papel por medo do preconceito. Heath Ledger e Jake Gyllenhall aceitaram o desafio, vencendo o medo da rejeição, sendo compensados com o reconhecimento do público e da crítica. Foram, pelo trabalho, indicados ao Oscar nas categorias de melhor ator e melhor ator coadjuvante respectivamente. Mais do que a polêmica da temática, o filme mostrou-se vitorioso na sua vertente humana, conquistando não um público específico, mas a todos com sensibilidade diante dos sentimentos e do amor, universais para quem os vive, não importando se um casal heterossexual ou homossexual.
A história abre-se no verão de 1963. Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhall), dois jovens pobres, conhecem-se ao procurar emprego como pastores de ovelhas, em Wyoming, estado rural e conservador do oeste dos Estados Unidos. São contratados pelo rancheiro Joe Aguirre (Randy Quaid), para um difícil trabalho, enquanto um vigia as ovelhas numa área de proteção ambiental no alto da montanha, o outro fica na base, responsável pelos alimentos e pela vigilância da área.
Juntos, os jovens sobem para a montanha. Levam consigo a força da juventude e a necessidade da sobrevivência, construída pela penúria da pobreza, irrigada pelo sonho limitado de cada um. Ennis é conciso, quieto, quase rude na alma introspectiva. Jack é mais solto, quem puxa pelo silêncio do companheiro de labuta. O ambiente é inóspito, quase hostil, cercado por lobos, ursos e outros animais silvestres, pelo calor escaldante do dia e o frio cortante das noites. A comida é precária, vivem de mesquinhas rações fornecidas por um patrão sovina. A labuta é quase insuportável, uma escravidão remunerada. Na solidão da montanha, somente a amizade poderá fazê-la suportável. Jack é quem arranca das entranhas de Ennis as palavras, o estoicismo latente, o fio que conduz os diálogos e as revelações que se vão quebrando os silêncios. Ele aprenderá a extrair para sempre os mais verdadeiros e negados sentimentos do companheiro.
As imagens da montanha vão surgindo como uma beleza radiante, como um bem acabado cartão postal. A solidão da paisagem é quebrada pela música contundentemente sedutora composta pelo argentino Gustavo Santaolalla.
No meio da paisagem, Ennis e Jack lutam contra as diversidades do ambiente silvestre. Enfrentam feras, caçam cervos para não morrerem de fome, revezam nas funções, ora um sobe ao topo da montanha, ora o outro desce.
Nos momentos que se encontram, conseguem fazer parte do gênero humano, não da paisagem selvagem da montanha. Alimentam-se, falam, bebem, trocam confidências de vida. Numa noite Ennis bebe demais, não conseguindo partir para o topo da montanha. Completamente embriagado, decide dormir no acampamento de Jack. Na sua visão viril do mundo, prefere dormir junto à fogueira, ao relento e ao frio, do que ao lado de Jack, dentro da tenda. A noite é áspera e fria, Ennis sente os ossos congelar. Jack ouve o amigo tremer de frio, vai buscá-lo, trazendo-o para a tenda. Deitam-se um ao lado do outro. A solidão da noite transforma-se na solidão da vida. Jack está decidido a quebrá-la. Envolve o braço do amigo em seu corpo. Aos poucos começa a despi-lo. Ennis, ainda sob o torpor da bebida, acorda assustado com os gestos de Jack. Levanta-se, deixando-se acossar pelos carinhos do outro. Sua atitude é brusca, quase selvagem, deixa-se levar pelos instintos, não pelos carinhos. A cena é crua, de forma bruta, quase que violenta, Ennis subjuga Jack, possuindo-o com a fúria da virilidade solitária. O sexo como explosão é o início do encontro complexo que prenderá as almas dos dois para sempre.

Estabelecido o Segredo na Montanha

Na manhã seguinte, Ennis acorda ao lado do companheiro de jornada. Veste as calças e saí. Não considera o que fizera um ato digno, mas sim uma explosão do desejo viril. Rejeita o prazer, cobrindo-se de culpa. Jack aparece. Senta-se à fogueira, ao lado de Ennis, que lhe permanece virado de costas. Não consegue olhar para Jack. Consegue apenas dizer que aquilo terminava ali, não haveria uma outra vez. Jack responde convicto: “Isto não interessa a mais ninguém além de nós”. Para Ennis, a verdade é a que encerra, a que lhe cobra o mundo. Ele só quer uma afirmação: “Ain’t no queer”, ou seja, não era anormal, não era um maricas. Jack também diz que não o é.
Ennis monta o cavalo e parte para o alto da montanha. Ficará a tarde toda preso à culpa latente pela noite que se permitira ser mais animal, ejacular sobre a solidão. É o momento mais contundente à frase que se está estampada nos cartazes do filme, o slogan “Love is a force of nature” (O amor é uma força da natureza).
Mais complacente com a sua culpa, Jack despe-se à beira do rio, lavando as suas roupas nas águas límpidas e correntes, como se lavasse a fúria da noite, o cheiro de Ennis, o seu sêmen. São notáveis os momentos em que as personagens cuidam da sua higiene pessoal, mesmo com a precariedade do local, banhando-se com improvisadas canecas e água fervida na fogueira.
Ennis só retorna já muito tarde da noite. Encontra Jack deitado dentro da tenda. Pede-lhe desculpa, deita-se ao seu lado, e desta vez o sexo dá passagem para o sentimento. O carinho substitui o ato animal. O ato físico cru e selvagem dá passagem para o ato amoroso, iniciando uma relação que os seguirá para o resto de suas vidas. Permitem-se amar um ao outro, encontrando o que há de mais genuíno em suas almas, assumindo o maior segredo das suas vidas.
A partir de então, o filme mostra a força pujante de dois homens, que se equilibram pelo sentimento, jamais por suas naturezas. Rolar bruscamente na relva, trocar socos, cavalgar, fazem parte dos carinhos viris que dissimulam a condição de amantes. Jamais se diz “eu te amo”, jamais será dito com palavras, apenas com olhares e silêncios emanados da alma.
Cada vez mais envolvidos, descuidam-se do trabalho escravo que fazem. Ovelhas são mortas por lobos, tempestades fazem com que elas se misturem a outros rebanhos. Para eles é mais importante preservar a vida juntos, aquecidos na tenda, em uma noite de tempestade do que enfrentá-la na escuridão atrás de ovelhas desgarradas. Suas vidas tornam-se mais importantes do que a servidão humana que lhe exigem aquele trabalho.
As cenas dos dois na montanha são envolvidas sempre por um carinho latente que explode em leves lutas corporais. Heath Ledger rodou uma cena de nu frontal, numa seqüência que o seu personagem e o de Jake Gyllenhall, atiram-se sem roupas ao rio. O diretor Ang Lee, temeu que a ousadia fosse por demais, cortando a cena, mas fotografias com as imagens de nudez do ator foram parar na internet, rodando o mundo. Na cena, Jake Gyllenhall foi substituído por um dublê, não sendo ele quem está ao lado de Heath Ledger.
Enquanto Jack e Ennis distraem-se em viver os seus sentimentos, o idílio da montanha é visto por Joe Aguirre, o contratante, que os observa de longe. O segredo de ambos torna-se tão frágil quanto a própria existência daquele sentimento nascido ao topo da montanha.
Uma tempestade de neve fora de hora encerra o trabalho dos dois improvisados pastores de ovelhas. Inicialmente contratados para chegarem até o fim de setembro, são dispensados um mês antes. Ennis recebe mal a ordem de desmontar o acampamento um mês antes. Tenso e mal-humorado com a decisão, Ennis inicia uma briga com Jack, ambos saem feridos e com as camisas manchadas de sangue.
Os dois deixam em silêncio a montanha. Sabem que a vida continuaria mesquinha e programada para eles. A paisagem silvestre da montanha permitia que fossem livres para amar um ao outro, mas não a sociedade para a qual voltavam. Assim, deduzem que aquele encontro fora um calor de verão, só existente nas leis da natureza presa na montanha. Jack promete voltar no ano seguinte, mas Ennis apenas diz que se vai casar, seguir a vida como acha que deve ser.
Após a contagem das ovelhas, são humilhados pelas palavras do patrão, que diante de tanta perda no rebanho, diz que não prestam para olhar animal algum. Os dois despedem-se sem trocar um aperto de mão, sem uma garantia de que se iriam rever um dia. Separam-se como dois estranhos. Pelo retrovisor da sua velha caminhonete, Jack observa o amigo desaparecer na distância, friamente, sem ousar olhar para trás. O que ele não vê é que debaixo da frieza aparente do Ennis, uma dor insuportável apodera-se dele. Pensando que vai vomitar, Ennis encosta-se em um canto, mas termina por chorar escondido, esmurrando a parede, deixando explodir o sofrimento da separação. Ao perceber que é observado, vocifera para que o deixem em paz. Assim, o mais contido dos homens, chora desesperadamente por perder o seu companheiro, por voltar ao cotidiano da sua vida sem brilho, coberta pelos mistérios da sua existência.

Casamentos e Reencontros

Ennis Del Mar e Jack Twist seguem caminhos separados. A tênue cumplicidade adquirida entre os dois parece ter ficado presa no passado. A amizade que se estabelecera, não fosse o envolvimento emocional, perduraria como exemplo para toda a sociedade, e eles poderiam ser apresentados a todos sem qualquer culpa além da unidade fraterna. Mas o sentimento secreto de ambos, fazia que só existissem um para o outro, longe dos olhares do mundo.
Ennis Del Mar não tinha nada na vida. Perdera os pais muito cedo, sendo criado por irmãos que, à medida que se casavam, excluíam-no das suas vidas. Só lhe restava casar e construir a sua própria família. Assim, já com a marca de Jack fincada em seu ser, casa-se com Alma Beers (Michelle Williams). Construindo com ela uma vida simples, complementada pelo nascimento de duas crianças.
Jack Twist ainda debate-se com a sua solidão. No ano seguinte, conforme prometera ao amigo, volta para tentar trabalhar como pastor na montanha. É recusado por Joe Aguirre. Jack ainda pergunta por Ennis. A resposta do contratador é irônica, elucidando o jovem de que ele sabia o que se havia passado entre ele e o amigo. Jack nada responde. Segue errante o seu caminho pelos rodeios da vida. Atira-se por vezes a possíveis companheiros, sentindo-se rejeitado por sua homossexualidade cada vez mais latente. Por fim casa-se com a impulsiva Lureen Newsome (Anne Hathaway), filha de um rico comerciante de máquinas agrícolas. Gerará com ela um filho.
A vida de Ennis segue monótona, sem grandes sonhos. Assume o seu lar como um marido comum e bom pai de família. Trabalha muito em vários empregos rurais, ganha pouco, mas o suficiente para conduzir a sua vida modesta e simplória. Poderia viver assim para sempre, não fosse em 1967, quatro anos depois de ter trabalhado como pastor na montanha, receber um inesperado cartão postal de Jack, avisando que estaria na sua região, e se ele o queria ver. O mundo familiar de Ennis, construído sobre alicerce frágil, parece desmoronar. Como um sopro no coração, atende ao chamado de Jack, dizendo que sim, que queria vê-lo.
No dia marcado do encontro, Ennis prepara-se como um adolescente perdido. Pela primeira vez a dureza da vida, a maturidade precoce, dá passagem para um jovem sonhador, à espera do amor da sua vida. Ao lado da mulher, espera com uma ansiedade latente a chegada do amigo. Chega a dizer que não acredita que ele virá. De repente abre a cortina da janela, e lá está a caminhonete de Jack, mostrando que a vida tinha sido menos dura financeiramente com o amigo.
O reencontro de Ennis e Jack é convulsivo desde o primeiro instante. O contido Ennis, que guarda as emoções por anos, e que as explode em situações de brigas, sexo ou beijos, mostra-se um homem passional. Ao rever Jack, não se contenta com um simples abraço, inadvertidamente puxa-o para um canto e o beija com fúria ali mesmo. O contacto físico é à flor da pele e dos sentimentos, quase que de forma explosiva. Tão forte que ao se rodar o filme, Heath Ledger quase quebrou o nariz de Jake Gyllenhall em uma cena de beijo. Tão intenso, que deu ao filme o prêmio MTV Movie Award de melhor beijo.
Ao seguir o seu impulso, Ennis não se dá conta do quão insensato tinha sido o seu ato. Da janela da sua casa, Alma assiste ao beijo do marido e do amigo, descobrindo o seu segredo. Pela segunda vez o amor entre os dois é convertido em um segredo aberto. Se o momento é de felicidade extrema para Ennis, é o fim das ilusões de um casamento tranqüilo para Alma. O início do seu sofrimento, da sua tristeza solitária. Alma conviverá com o segredo do marido silenciosamente, sem nunca confessar que sabe. Passará a ser uma mulher triste e infeliz, presa à teia de uma infidelidade que jamais compreenderá. Michelle Williams compõe uma sofrida personagem, vítima do segredo do marido, da sua indecisão de viver uma escolha. A atriz foi nomeada ao Oscar na categoria de melhor atriz coadjuvante. Durante as filmagens, iniciou um relacionamento com Heath Ledger, que duraria dois anos, dando ao ator a sua única filha, Matilda Rose, sendo Jake Gyllenhall o padrinho da menina.

O Amor Clandestino

O reencontro de Jack e Ennis define para sempre o destino dos dois. Estão irremediavelmente destinados a viver aquele amor clandestino. Juntos, em um momento de intimidade incontida, Jack dá a sentença: “Brokeback Mountain nos pegou de jeito”. Não podiam mais fugir daquele sentimento.
Jack propõe a Ennis que abandonem suas vidas de casados e construam um rancho isolado, vivendo juntos para sempre. É quando Ennis revela o seu medo do mundo, de enfrentar a sociedade. Conta ao amigo que quando criança, na sua terra, um casal homossexual decidiu viver junto, sendo motivo de repulsa e hostilidade da comunidade. Um dia, o seu pai o levou para ver o cadáver de um deles, que fora assassinado, puxado pelo pênis e atirado em um canal de irrigação. O pequeno Ennis foi obrigado pelo pai a ver aquele cadáver, para que o filho compreendesse os valores morais e inabaláveis da sua comunidade. Ennis confessa que sempre suspeitara que o próprio pai cometera aquele crime ignóbil.
Revela a Jack que dois homens juntos jamais seriam aceitos. Que mais uma vez a vida os pusera juntos fora de hora, tarde demais. Mas que já não seguiria sem ele. Viveriam aquele sentimento clandestinamente, até onde se lhes fosse possível de agüentar.
O que Ennis não sabia é que agüentariam aqueles reencontros furtivos por toda a juventude dos dois. Encontrar-se-iam duas vezes por ano, fugindo para um acampamento na montanha, onde a força da natureza permitia que vivessem aquela paixão em segredo. Ennis e Jack só não sabiam que o seu segredo era mais frágil do que se imaginava. Assim como Joe Aguirre, também Alma sabia do amor proibido vivido pelos dois. Ennis pensa que engana o seu mundo, à sociedade em que está inserido, quando o segredo da sua verdade é compartilhado com outras tantas pessoas, que se calam por um ou outro motivo.

Separação e Decepção

Ennis construirá o sentido da sua vida baseado nos seus encontros com Jack, que se darão por toda vida. Ennis teme a sociedade, mas teme a si mesmo, pois não se consegue ver um homem homossexual. Para ele Jack é o único homem que aceita tocar, beijar, e amar. Longe dele não existe um mundo de opção sexual entre homens. Jack é mais que um ato sexual, é o amor na mais profunda cicatriz da existência, é o sentimento genuíno e revelador. É fácil para ele esperar cada dia pelo encontro, em que pode ser feliz sem medo, sem as pressões de uma vida sofrida e repleta de privações financeiras. Sem perceber, Ennis faz da esposa a mulher mais infeliz do mundo. Não enxerga o que se passa no coração feminino de Alma, porque ela não é o centro do seu universo, é a coadjuvante, a capa que o protege do mundo, que lhe possibilita amar o amigo sem ser confrontado pelas valias, dogmas e moralidades do mundo.
Por sua vez, Jack amadurece a sua homossexualidade. Vive-a sem medo. Corre os riscos, expõe-se sempre. Seu casamento não tem o mesmo peso do de Ennis. A mulher vive distante, mergulhada no seu mundo, deixando o marido livre para percorrer os labirintos do seu ser. Jack não tem o respeito do sogro, que o enxerga como um simples aproveitador. Limita-o dentro da própria casa, como se fosse um nada. Jack sonha em deixar aquela vida, aquela casa onde é um simples figurante. E Ennis está nos seus sonhos. É com ele que quer dividir um rancho, cuidar das suas próprias ovelhas. Jack não reprime a sua opção sexual. Ela é latente no seu ser. Longe de Ennis, ele procura bares em que homens se vendem por dinheiro. Vive encontros furtivos. Envolve-se com o vizinho, sem nunca deixar de ver Ennis. Por mais que tente, não consegue se libertar do velho companheiro. Segue a vida, preso às decisões de Ennis, sem poder realizar o seu sonho. Para aliviar o seu desejo latente, quando está longe, envolve-se com outros homens, sem jamais conseguir ir além do sexo. Os outros representam o ato sexual, Ennis é o amor vivido, o sentimento verdadeiro, a esperança do companheirismo eterno. Uma curiosidade é a cena em que Jack paga um homem no México para ter relações, o gigolô é vivido por Rodrigo Prieto, diretor de fotografia do filme.
Se a mentira de Ennis faz a infelicidade de Alma, ela um dia dá um basta naquela vida angustiada, sofrida e menor ao lado do marido, pedindo o divórcio. Alma voltaria a casar novamente, reconstruindo a sua vida longe do segredo do marido.
A notícia da separação reacende as esperanças de Jack, em ver finalmente, que poderia realizar o sonho de viver ao lado de Ennis. Tão logo sabe da separação, dirige apressado por longos quilômetros para ver o amigo. Ao chegar, é recebido com as limitações impostas por Ennis. Jack é recebido formalmente, pois as filhas de Ennis estão com ele no rancho. O recém divorciado pede ao amigo que parta, pois não via as filhas há um mês, e teria que ficar com elas naquele fim de semana. Ennis diz a Jack que tem que trabalhar para pagar a pensão às filhas, que jamais poderia abandoná-las.
Mais uma vez Jack acata as decisões do amigo. Parte com a certeza que jamais realizaria o sonho de viver ao lado de Ennis. Que está para sempre condenado a vir ao encontro dele, e a buscar sexo nos perigos da noite. As lágrimas rolam pelo rosto de Jack, enquanto ele dirige, como se com elas escorressem todos os seus sonhos. Pela primeira vez ele sente que se um dia realizasse o sonho de ser ele mesmo, de ter a paz vivida em seu rancho, teria que ser sem Ennis. Jack irá permitir-se envolver além do sexo com um vizinho.

O Último Encontro

O tempo passa. Ennis vive na completa solidão social. Em um jantar com Alma e com a sua nova família, ela insinua que sabe a verdade que o unia realmente ao amigo de pescaria. Ennis não suporta ouvir que outra pessoa saiba do seu segredo. Deixa a casa da ex-mulher furioso. Dirige com raiva, envolvendo-se em uma discussão com outro motorista, parte para cima do homem e descarrega nele toda a sua raiva diante de uma iminente revelação da sua vida particular. Agride com socos violentos o homem que por má sorte, cruzara o seu caminho.
Para manter a sua imagem viril, ele envolve-se com Cassie Cartwrigth (Linda Cardellini), jovem que trabalha no bar onde costuma comer.
Um novo encontro na montanha entre Jack e Ennis será decisivo. Juntos revisam as suas vidas. Ennis fala do seu namoro com Cassie, e Jack fala do dele com uma vizinha, o que é mentira, pois é com o marido dela que ele faz insinuações. Falar de mulheres é fundamental para Ennis, que vê naquele momento a sua virilidade não se esvair diante do amor que o prende a Jack. É um elo que o mantém firme à sociedade da qual se despe em frente à montanha.
Quando se preparam para partir, Ennis diz a Jack que só poderá revê-lo em novembro. Jack exaspera-se, perguntando o que tinha acontecido com agosto? Ennis explica que precisa trabalhar para pagar a pensão das filhas. Que já está a envelhecer, já não podia abandonar os trabalhos e seguir ao encontro do amigo. Os empregos já não lhe vinham com facilidade. Jack não se conforma. Uma longa discussão é estabelecida entre os dois. Ennis questiona o amigo se ele foi ao México atrás de outros homens, se ficasse sabendo da traição, era capaz de matá-lo. Jack explode, finalmente. Revelando que ia buscar o que nunca tinha, que não era como ele, que conseguia ter uma vida sexual apenas duas vezes ao ano. Questiona o que tinham de verdade, a não ser a montanha? Desfere finalmente a frase: “Quem me dera saber como te deixar”. Diante da revelação, Ennis desmorona, cai de joelhos a chorar, dizendo que por causa do que sente por Jack, não tinha mais nada na vida, não construíra nada além daqueles momentos, não tinha forças nem mesmo para suportar aquela situação. Jack aproxima-se de Ennis, sendo afastado por ele. Mas o amigo volta, abraço-o. Mais calmos, despendem-se. Ennis não sabe que será a última vez que verá Jack.
Ao ver Ennis partir, Jack revive um momento, preso em 1963, quando jovem, cansado pela labuta com as ovelhas, dormia em pé, em frente à fogueira, e Ennis abraçava-lhe por trás, como se quisesse protegê-lo da fadiga. Ennis sussurrava umas palavras aos ouvidos do amigo, depois partia para o alto da montanha. Os olhos de Jack voltam ao presente. Ele vê Ennis já maduro, partir na sua caminhonete. Jack sabe que é a última vez que o verá. Está decidido a viver o seu sonho de liberdade, numa casinha ao fundo do rancho dos seus pais. Viveria o seu sonho, ainda que não fosse com Ennis.

Em Busca das Cinzas

Passam os meses. Ennis recebe de volta o cartão que enviara a Jack para confirmar a próxima viagem. No postal o carimbo do correio diz “falecido”. Ennis desespera-se. Rompe as barreiras que impusera e telefona para a casa de Jack. Conversa com Lureen, que lhe relata sobre a morte do marido, supostamente em um acidente na estrada, quando ao trocar um pneu, este explodiu na sua cara. Imagens de Jack sendo assassinado são intercaladas, numa ambigüidade em que parece ter vindo da cabeça de Ennis, que vê o mesmo fim que levara o homem que supunha o pai tinha matado por ser homossexual, quando ainda criança; ou que, Jack tinha tido o mesmo fim. Lureen diz a Ennis que não sabia do seu endereço, por isto não lhe comunicou a morte do marido. Que o último pedido de Jack tinha sido para que as suas cinzas fossem espalhadas na montanha Brokeback, mas que ela não sabia onde era, o se o lugar existia realmente. Ennis revela que sim, a montanha existia. O silêncio de Lureen é como se lhe fosse confirmada uma suspeita que tinha em relação ao marido. Ela diz que tinha enterrado parte das cinzas de Jack, a outra parte enviara para os seus pais, em Lighting Flats, para que eles cumprissem o desejo final do marido. Sugere a Ennis que procure os pais de Jack, e cumpra o pedido do marido.
Ennis segue para o rancho dos pais de Jack. Diante da sociedade, não representa nada na vida do amigo. Não lhe conhecia o filho, a mulher, a vida paralela que tinha. Nada lhe era permitido, nem mesmo as cinzas do amigo, espalhadas onde deveriam estar, no lugar em que os dois construíram as suas vidas, existente em segredo, na face invisível da sociedade. Ennis vai resgatar o que lhe é permitido, as cinzas de Jack.
Ao chegar ao local, Ennis encontra um rancho pobre e decadente. É recebido pelos pais de Jack. O pai, John Twist (Peter McRobbie) traz as palavras duras e tacanhas de um homem sofrido e rude. Através dele, Ennis descobre que Jack jamais escondeu a sua existência dos pais. As palavras duras de John Twist revelam as frustrações de vida do filho morto. Conta que ele prometera um dia construir uma casa atrás do rancho, e que viria para ali morar com o amigo Ennis, e juntos iriam ajudá-lo. Revela que para o fim, traria um outro amigo, um vizinho do Texas, decisão que precipitara o seu fim. Ennis escuta todas as revelações em silêncio, como se visse nelas os sonhos desfeitos de Jack, sonhos que ele sempre soube da existência.
Se as palavras do pai são frias, o olhar da mãe de Jack (Roberta Maxwell) é cheio de cumplicidade e revelações de ternura. Ela sabe quem é o homem que está à sua frente, conhece os segredos do filho morto, o seu silêncio traduz que está diante daquele que realmente dera verdade à vida do filho. Diz a Ennis que vá até o quarto que fora de Jack, pois lá conserva tudo que lhe pertencera, desde criança. Tudo está como ele o deixou.
Ennis aceita entrar no quarto do amigo. Pela primeira vez percorre o mundo do companheiro além daquele que criaram e estabeleceram um para o outro. Olha todos os detalhes. De repente depara-se com duas camisas no armário. Encontra manchas de sangue sobre elas. Ennis reconhece as camisas, são as mesmas que Jack e ele traziam no último dia em que estiveram juntos em Brokeback Mountain, em 1963, quando brigaram e verteram sangue um do outro. O contraste entre as ações se intercala, a primeira vez que se atracaram sexualmente, como animais, Jack sentira necessidade de lavar a sua roupa no rio no dia seguinte. Quando verteram o sangue um do outro, era porque o sexo dera passagem ao amor, Jack guardou as camisas sem jamais as ter lavado, perpetuando através do seu sangue e do de Ennis, o amor que levaria para o resto da sua vida.
Ennis tem a certeza de que Jack sempre o amara, que assim como ele, sofrera com a separação. Encolhe-se ao canto do armário e, com lágrimas nos olhos, abraça-se à camisa de Jack, como se nela sentisse o seu cheiro. Como se abraçasse toda a sua vida, todos os seus segredos. De volta à sala, ele traz as camisas. Nada diz, mostra-as à mãe de Jack, que lhe acena permitindo-o levar aquela lembrança. Ela pega um saco e guarda as camisas, entregando-as a Ennis. Seu olhar diz que ela sabe que as camisas lhe pertencem, pois ao guardá-las sujas de sangue, respeitou a vontade do filho, segredo que ela como mãe, soube velar, e que a cada olhar lançado a Ennis, divide-o finalmente.
Nos últimos momentos da visita de Ennis, John Twist sentencia que as cinzas do filho serão enterradas no jazigo da família. Antes de partir, a mãe de Jack troca mais um olhar cúmplice com Ennis, pedindo a ele que volte, que venha visitá-los, como se estabelecessem um acordo velado para que se cumprisse o último desejo de Jack. Ennis acena que sim.

A Promessa Final

Na cena final, Ennis vive em um trailer. Jamais teve um fôlego financeiro, ou mesmo a liberdade de ser a sua essência. Ali, é visitado pela filha, Alma Jr (Kate Mara), agora com 19 anos. A filha revela-lhe que se vai casar, e pede para que ele a conduza até ao altar. Ennis pergunta se os dois se amam de verdade. Ela diz que sim. Ela tem a mesma idade que ele quando conheceu Jack e a verdade do amor.
A princípio Ennis, sempre estóico e contido, reluta em ir ao casamento da filha, alegando que tem que trabalhar. De repente percebe que dissera o mesmo a Jack, quando o viu pela última vez. É como se, não tivesse faltado ao encontro de agosto, o amado ainda pudesse estar vivo. Ennis diz que sim, que acompanhará a filha ao altar. A jovem parte feliz, com a certeza da presença do pai.
Ennis percebe que Alma Jr se esqueceu do suéter. Dobra-o, abre o armário para guardá-lo. Salta-nos a imagem das duas camisas penduradas na porta, desta vez com a de Ennis por cima da de Jack, ao lado, um cartão postal da montanha Brokeback. Ennis olha para as camisas, cuidadosamente abotoa a parte de cima da camisa que pertencera a Jack. Os olhos estão marejados. Com um olhar turvo, diz: “Jack eu prometo”. Endireita o postal da montanha e fecha a porta. A câmara é fixada na imagem da porta fechada. A música de Gustavo Santaolalla eleva-se. O filme é encerrado. O que prometera Ennis à memória de Jack? Que voltaria a visitar a sua mãe, trazendo-lhe as cinzas para a montanha Brokeback, juntando-as, futuramente às suas? Realizaria o sonho de Jack, unindo as suas cinzas as dele na montanha?
A composição longa do tempo gerou uma forte maquiagem nos atores, demasiados jovens para os anos que se lhe são impregnados. Se a imagem é pesadamente forçada, a essência do envelhecimento das personagens é magistralmente assimilada pelos atores. Jake Gyllenhall, tido como coadjuvante, ultrapassa em importância o papel, indo muito além do que lhe foi proposto, sem a sua personagem não há a outra, portanto não há coadjuvantes. Heath Ledger viveu o grande papel da sua vida, curta e rápida, sem tempo para outros grandes papéis. Viveu a juventude e a maturidade que a vida lhe negou através do olhar de Ennis Del Mar. O ator viria a falecer em 22 de janeiro de 2008, aos 28 anos.
O Segredo de Brokeback Mountain”, inicialmente previsto para ser sucesso em um circuito fechado, ultrapassou os preconceitos e as barreiras, atingindo grandes públicos. Sendo indicado para oito Oscars da academia, arrebatando três, inclusive o de melhor diretor. Recebeu o Leão de Ouro como melhor filme no Festival de Veneza, e o Globo de Ouro na mesma categoria. Apesar de ter sido barrado em vários países de cultura conservadora, transformou-se no oitavo filme romântico recorde de bilheteria nos Estados Unidos.
O pôster do filme foi inspirado no de “Titanic”, trazendo a instigante frase “O amor é uma força da natureza”.
O filme é essencialmente, o reflexo das escolhas que fazemos. Ao recusar viver com Jack, Ennis não temia somente os preconceitos da sociedade, mas também os seus próprios. Optara por uma vida em segredo, sem se aperceber que era um segredo aberto. Quantos não o sabiam? A sua mulher Alma, o patrão Joe Aguirre, a mãe de Jack. Quantos não suspeitavam? Tragicamente, Ennis escondia um segredo que só ele imaginava existir. O seu medo gerou a infelicidade de Alma, a vida errante de Jack, e quem sabe, a sua morte prematura. Ao fim, do que se escondeu Ennis Del Mar senão de si mesmo? Quem que sabia dos seus segredos ameaçou-o concretamente? Joe Aguirre apenas insinuou que sabia a Jack, mas nada fez para expô-los, estava mais preocupado com o bem estar das ovelhas do que com o relacionamento dos seus pastores. Não dispensou Jack por causa do preconceito, mas pelo prejuízo que julgou ter pelo ilídio amoroso dos dois. Alma calou-se impotente diante da verdade do marido, jamais aceitaria os sentimentos do marido, mas pior foi ter que conviver com tão pungente realidade todas às vezes que ele deixava tudo para ir ter com o amigo. Doía-lhe saber o que faziam de verdade nas fictícias pescarias. Por fim, os pais de Jack esperavam o dia em que o filho traria Ennis pelas mãos. Portanto o empecilho maior sempre esteve na mente de Ennis, que na escolha de viver uma vida em segredo, perdeu a única verdade da sua alma, fazendo da vida uma rara felicidade, vertida apenas ao pé da montanha Brokeback. Mas quem pode culpar Ennis? Em pleno século XXI, quantos não vivem os sentimentos à margem da sociedade? Quantos amores clandestinos não se tornam visíveis em leitos fechados e invisíveis à sociedade?

Ficha Técnica:

O Segredo de Brokeback Mountain

Direção: Ang Lee
Ano: 2005
Pais: Estados Unidos e Canadá
Gênero: Drama Romântico
Duração: 134 minutos / Cor
Título Original: Brokeback Mountain
Roteiro: Larry McMurtry e Diana Ossana, baseado no conto de Annie Proulx
Produção: Michael Costigan, Scott Ferguson, Michael Hausman, Larry McMurtry, Diana Ossana, William Pohlad e James Schamus
Música: Gustavo Santaolalla
Direção de Fotografia: Rodrigo Prieto
Direção de Arte: Laura Ballinger e Tracey Baryski
Produção de Design: Judy Becker
Decoração de Set: Catherine Davis
Figurino: Marit Allen
Maquiagem: Mary-Lou Green-Benvenuti, Linda Melazzo, Manlio Rocchetti, Penny Thompson e Sharon Toohey
Edição: Geraldine Peroni e Dylan Tichenor
Direção de Elenco: Avy Kaufman
Efeitos Especiais: Kelly Coe e Maurice Routly
Efeitos Visuais: Sarah Coatts, Jason Giberson, Ara Khanikian, Bruno-Olivier Laflamme, Jean-François Laffleur, Louis Morin, Alexandre Lafortune, Pierre-Simon Lebrun-Chaput, Chris Ross, Mathew Rouleau, Robin Tremblay e Mark Turesk
Som: Philip Stockton, Larry Wineland, Marko A. Costanzo, Michael J. Fox, Eugene Gearty, Kenton Jakub, Frank Kern, Drew Kunin, Avi Laniado, George A. Lara, Wyatt Sprague, Peter Melnychuck, Geo Major, Igor Nikolic, Relly Steele, Sara Stern e David Warzynski
Estúdio: Paramount Pictures / Good Machine / This is That Productions / River Road Entertainment / Alberta Filmworks Inc.
Distribuição: Focus Features / Europa Filmes
Elenco: Heath Ledger, Jake Gyllenhall, Anne Hathaway, Michelle Williams, Randy Quaid, Linda Cardellini, Anna Faris, Scott Michael Campbell, Kate Mara, Cheyenne Hill, Brooklyn Proulx, Tom Carey, Graham Beckel, David Harbour, Mary Liboiron, Roberta Maxwell, Peter McRobbie, Valerie Planche, David Trimble, Victor Reyes, Lachlan Mackintosh, Larry Reese, Marty Antonini
Sinopse: Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhall) são dois jovens pobres que se conhecem no verão de 1963, quando contratados para cuidar das ovelhas de Joe Aguirre (Randy Quaid), na montanha Brokeback. Jack quer ser um astro de rodeios, enquanto que Ennis tenciona casar-se com Alma (Michelle Williams), tão logo regresse da montanha. Isolados por semanas, sobrevivendo a um ambiente inóspito e de penúria, os dois tornam-se cada vez mais amigos, até que iniciam um relacionamento amoroso. No término do serviço, cada um segue o seu caminho, mas permanecerão ligados para sempre, vivendo uma paixão clandestina por duas décadas.

Ang Lee

Ang Lee é um dos vários cineastas talentosos que Hollywood importou nos anos noventa. Nascido em Pngtung, Taiwan, em 23 de outubro de 1954, o cineasta, ator e produtor, teve a sua formação na National Taiwan College of Arts, concluindo-a na Universidade do Illinois, nos Estados Unidos, país para o qual se mudou em 1978.
Em 1983, casou-se com Jane Lin, com quem teve dois filhos nascidos nos Estados Unidos.
Ang Lee estrear-se-ia como diretor em 1992, com o longa-metragem “A Arte de Viver”. A consagração viria em 1993, com o filme “O Banquete de Casamento”, sendo indicado para o Globo de Ouro, além de arrebatar o Urso de Ouro de melhor filme no Festival de Berlim.
Em 1994, outro filme seu receberia a indicação do Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro, “Comer, Beber e Viver”. No ano seguinte traria para as telas um clássico da literatura, “Sense and Sensibility”, inspirado no romance de Jane Austen, desta vez contando com um elenco internacional luxuoso, com Emma Thompson e Hugh Grant.
Ao longo do tempo, Ang Lee foi acumulando grandes sucessos, como “O Tigre e o Dragão”, em 2000, sendo, com este filme, ovacionado no festival de Cannes. A consagração maior viria com o polêmico “Brokeback Mountain”, em 2005, com o qual ganhou os prêmios Globo de Ouro e Oscar na categoria de melhor diretor. Ang Lee é hoje um dos mais respeitados cineastas de Hollywood e do mundo.

Filmografia de Ang Lee:

1992 – Tui Shou (A Arte de Viver)
1993 – Xi Yan (O Banquete de Casamento)
1994 – Yin Shi Nan Nu (Comer, Beber e Viver)
1995 – Sense and Sensibility (Razão e Sensibilidade)
1997 – The Ice Storm (Tempestade de Gelo)
1999 – Ride With the Devil (Cavalgada com o Diabo)
2000 – Wo Hu Cang Long (O Tigre e o Dragão)
2001 – Chosen
2003 – Hulk
2005 – Brokeback Mountain (O Segredo de Brokeback Mountain)
2007 – Se, Jie (Desejo e Perigo)
2009 – Taking Woodstock
2011 – Life of Pi (pré-produção)

 


ATENA, A DEUSA DA SABEDORIA E DA GUERRA

julho 28, 2011

Atena (Minerva), deusa da sabedoria, da idéia civilizadora, da vitória nas guerras e da inteligência das estratégias, era uma das divindades mais importantes e cultuadas na Grécia antiga.
Na tradição mais aceita da lenda, Atena teria nascido do crânio de Zeus (Júpiter), herdando do pai a sabedoria roubada a Métis (Prudência). O mito de Atena interliga a sabedoria à castidade, o sexo escraviza o homem, atrai-lhe a paixão, desequilibra-o emocionalmente. A castidade constrói, alia-se à pureza do corpo e da alma, assim, entre os gregos, sabedoria e sexo opõem-se, prudência e bom senso aliam-se. Atena escolhe a virgindade como símbolo da sua sabedoria. Sendo uma das mais belas deusas do Olimpo, ela não cede aos assédios impetuosos e constantes dos outros deuses, mantendo-se casta.
Entidade guerreira, é justa nos campos de batalhas. Enquanto Ares (Marte), faz verter o sangue dos dois lados da guerra, Atena protege os justos, fazendo tombar os insensatos. Na concepção grega, os seus soldados são o mais próximos da filosofia da razão estratégica, os mais justos contra os outros povos beligerantes que os cerceiam, Atena é a protetora universal dos exércitos helenos. Na guerra de Tróia, manteve-se corajosamente ao lado dos gregos, enquanto que outras divindades olímpicas dividiram-se entre gregos e troianos.
Atena é a maior protetora da civilização grega, a mais nacionalista, a que mais contribui para o seu avanço, oferecendo àquele povo a oliveira, o leme, o tear e a flauta, simbolizando respectivamente o alimento (azeite), o progresso (como conduzir os barcos), o trabalho têxtil, e a arte, neste caso a música, essência da sabedoria daquele povo do extremo oriente do mar Mediterrâneo.
Deusa da sabedoria e da arte da guerra, Atena foi uma das entidades com mais representações na arte, deixando um legado de obras com temas envolvidos no seu mito, que vão desde o Partenon, em Atenas, até as famosas esculturas de Fídias. Em Roma, o seu mito foi assimilado ao de Minerva, não encontrando a mesma importância que adquiriu na Grécia. Deusa guerreira, traz sempre a lança em punho, às vezes o escudo, e, elmo divino na cabeça, transbordando o seu garbo sábio e justo.

As Várias Lendas Sobre o Nascimento da Deusa

O nascimento de Atena possuí várias versões, dependendo da lenda. Uma versão pouco difundida atribui a paternidade da deusa a Poseidon (Netuno), o senhor dos mares. A associação aos dois mitos explica-se por Atena ter nascido à margem de um lago, precedendo ao relâmpago e ao raio que trazem a chuva. É a deusa da luz antes da tempestade, que ilumina o céu antes de transbordar as suas nuvens, assim com Poseidon domina os mares e os seus maremotos. É a deusa do orvalho, elemento úmido que protege a agricultura contra o frio seco da noite. Os elementos úmidos da deusa dão a aproximação ao deus dos mares.
Noutra vertente da lenda, seria filha do gigante Palas, filho de Gaia (Terra). O mito de Atena e de Palas fundem-se não só como filha e pai, mas em um confronto entre a força e a manutenção da pureza casta. Palas teria tentado violar a deusa, que obstinada em manter o corpo intacto, matou-o e, ao esfolar a sua pele, fez dela o aigis, ou manto da virgindade. Além do manto, a deusa passa a demarcar a sua vitória sobre o gigante, usando o nome de Palas Atenas. Era através deste nome que seria invocada por todos os gregos quando lhe pediam a proteção para as suas cidades.
A tradição mais corrente do mito é a do seu nascimento através da cabeça de Zeus, o senhor dos deuses. Após vencer a guerra contra os Titãs e os Gigantes, Zeus tornou-se o senhor dos deuses e dos homens, tomando como primeira esposa Métis, a Prudência. Quando a deusa esperava o primeiro filho, Zeus soube através do oráculo de Gaia que nasceria uma filha. O oráculo profetizou ainda, que da segunda gestação nasceria um filho, que destronaria o pai. Preocupado, Zeus decidiu engolir a esposa. A seguir tomou a sua irmã Hera (Juno) como esposa. Pouco depois, ao encerrar o tempo de gestação da mulher engolida, Zeus, ao passear às margens do lago Tritônis, foi surpreendido por uma dor insuportável na cabeça, como se fosse espetado por uma lança. As pontadas tornavam-se cada vez mais fortes dentro da cabeça do imortal, fazendo o poderoso deus dos trovões emitir um grito que ecoou pelos céus e pela terra. Outros gritos de dor saltaram da boca desesperada do senhor dos deuses. Ao ouvir os gritos de Zeus, todos os deuses do Olimpo correram em seu socorro. Hermes (Mercúrio), o mensageiro dos deuses, ao ver a aflição de Zeus, saiu em busca de Hefestos (Vulcano), o ferreiro divino. O deus dos vulcões e do ferro, ao ver a cabeça do pai vibrando, como se dela quisesse sair algo muito grande, golpeou-a com um machado de ouro. Da ferida aberta por Hefestos surgiu uma mulher belíssima, empunhando o escudo e a lança, nos quais materializava o raio que iluminava a altura etérea e divina; vestia uma reluzente armadura, representando os meteoros e os fenômenos luminosos da natureza; e, ainda, o elmo de ouro na cabeça, reluzindo-lhe a proteção da inteligência diante das batalhas nas guerras. Naquele momento, o céu relampejou, o lago explodiu em ondas. Zeus ficou radiante com a beleza da filha surgida do seu crânio. Nascia a deusa da sabedoria e da guerra estratégica.
Em outra versão da lenda, Métis não seria a primeira esposa de Zeus, sendo Hera, a única, jamais a segunda. Seria uma das várias amantes do deus. Não teria sido o medo de um segundo filho e uma possível usurpação do trono divino que o afligia, que o teria motivado a engolir a amante; mas a condição da mulher na sociedade grega, visto que Métis era a deusa da prudência. Na civilização grega, a sabedoria não era uma das características atribuída às mulheres. Ao engolir Métis, Zeus, divindade masculina, tornou-se o mais sábio dos deuses, passando através dele, a sabedoria a Atena, divindade feminina. A deusa da sabedoria herdara do pai, jamais da mãe, o seu principal atributo.

A Criação da Oliveira

Ao ser associado à sabedoria, o mito de Atena contrasta com a sua função guerreira. Na visão grega, havia duas vertentes em uma guerra: a batalha, que representava a luta corporal, o sangue vertido, a utilização da força; e, a estratégia ou arte bélica, que define a vitória. Ares é o responsável pela batalha, pela força nela empregada, pelo massacre sem propósito. Atena é a deusa da arte bélica, da inteligência das estratégias, dos ideais elevados da luta, da vitória justa e racional diante do inimigo. É a deusa defensora perpétua dos gregos.
Além dos atributos bélicos, a deusa também era invocada como entidade agrícola. Não tem para si a responsabilidade de proteger a terra contra as calamidades da natureza, mas a de orientar, trazer da natureza benefícios para que se civilize o homem. Sua identificação com a natureza está no orvalho, pelo qual é a deusa responsável, elemento que protege a planta dentro do sereno noturno.
Também foi a deusa que ofereceu aos gregos a oliveira, ensinando-os a extrair da planta o fruto para o alimento e o óleo, utilizado na cozinha, na higiene corporal e na iluminação das casas e dos templos. Atena ensinou o homem a estocar o azeite e a azeitona durante o inverno, e a arte de vendê-lo aos outros povos. É atribuída a ela a confecção dos potes de barro, para o armazenamento dos alimentos. É a deusa dos oleiros, ensinando-os a guardar o óleo.
A associação de Atena com a oliveira remete à fundação da cidade que levaria o seu nome. Segundo a lenda, Cécrope ao fundar uma cidade na região da Ática, convocou os imortais do Olimpo para uma disputa, na qual o vencedor seria o protetor da cidade. Toda cidade grega tinha uma entidade como protetora, sendo a ela atribuída as funções de protegê-la nas guerras, nos temporais, nas colheitas dos alimentos e nos momentos de tribulações públicas. Poseidon e Atena foram os deuses que aceitaram o desafio proposto por Cécrope. Fizeram uma disputa acirrada, levando o povo da nova terra a ficar dividido em escolher um dos dois.
Na prova final, Cécrope pediu aos deuses que criassem alguma coisa útil para a cidade. Poseidon bateu o tridente no chão, fazendo jorrar na Acrópole uma fonte de água salgada, além de um esplêndido cavalo. Atena feriu a terra com a sua lança, fazendo dela brotar uma árvore repleta de pequenos frutos. A deusa ofereceu um ramo com os frutos a Cécrope, comovendo o soberano. Diante do povo, chamou a árvore de oliveira, ensinou como extrair o seu óleo e preparar o fruto como alimento. A cidade entendeu que a oliveira era mais importante para a cidade. Atena foi aclamada a protetora do lugar, que passou a ser chamado de Atenas, em homenagem a deusa e ao presente que se lhe oferecera aos seus habitantes. Desde então, tornar-se-ia a principal divindade da cidade de Atenas, influenciando o seu culto por toda a Grécia.

As Invenções Civilizadoras de Atena

Várias foram as atribuições civilizadoras legadas a Atena. Teria sido a deusa quem ensinara às mulheres gregas as técnicas de fiar, tecer e bordar. Atena era uma exímia tecelã, tecendo os mais belos bordados do Olimpo. A lenda que conta a história de Aracne reflete os dons da deusa. A mortal Aracne era filha de um modesto tintureiro de Cólofon. Tinha o dom de tecer os mais belos bordados de todos os mortais. Seu talento atraia todos os olhos, homens de toda a Grécia vinham ver e comprar os seus trabalhos. As Ninfas deixavam os bosques para admirar a beleza mágica dos mantos bordados pela mortal.
Sabedora do seu talento, Aracne proclamou-se a maior tecelã e bordadeira do mundo, dizendo-se superior à própria deusa Atena. A falta de modéstia da mortal irritou a deusa, que desafiada, aceitou tecer uma magnífica tapeçaria. Atena bordou os doze imortais do Olimpo, trazendo nas bordas do tecido, cenas em que os deuses puniam a irreverência dos mortais. Aracne bordou em sua tapeçaria os amores proibidos dos mortais pelos humanos, as traições e as vinganças. Ao fim da composição, não se sabia dizer qual a mais bela tecelagem. Aracne olhava para a sua obra, deslumbrada com a sua perfeição de mortal. Irritada com a falta de modéstia, Atena pegou a obra feita pela jovem, amarrotando-a e a rasgando. Ainda furiosa, feriu a jovem mortal com a agulha. Sentindo-se humilhada, a fiandeira tentou suicidar-se. Atena não permitiu que morresse, transformando-a em um pequeno animal que recebeu o seu nome, a aranha (aracne, em grego). Condenou-a tecer para sempre nas alturas, uma delicada teia que os ventos rasgam facilmente.
A lenda de Aracne, segundo historiadores, traduzia a rivalidade existente entre os atenienses e um povo originário da ilha de Creta, onde florescia uma crescente indústria têxtil primitiva.
Atena presenteara aos seus devotos outro significativo invento, o leme, para evitar que os barcos fossem à deriva das ondas e das correntes, não se perdendo pelas águas.
Para embelezar a vida dos humanos, Atena inventou a flauta, de onde a beleza da música era extraída. Uma lenda conta que ao apresentar o seu invento às deusas Hera e Afrodite (Vênus), foi motivo de riso, porque ao soprar o instrumento, as suas bochechas inchavam, deformando a sua beleza. Irritada, Atena arremessou a flauta do alto do Olimpo, amaldiçoando-a. O sátiro Mársias encontrou o instrumento musical, arrebatando para si a maldição. Mársias desafiou o deus Apolo com o seu instrumento. Ao ser vencido, foi esfolado vivo pelo deus da luz.

As Festas em Homenagem à Atena

Sendo amplamente cultuada em toda a Grécia, várias eram as festas oferecidas à deusa. Seu culto espalhou-se de Atenas, passando pela ilha de Rodes, chegando a Saís, no Egito. Possuía três grandes templos que lhe eram consagrados, sendo o mais suntuoso o Partenon, na Acrópole.
Na cidade de Atenas, da qual era protetora, a população celebrava em sua homenagem as Panatenéias, festas tradicionais, onde eram realizados torneios de música e poesia, lutas e corridas. Durante as festas, as mulheres iam em procissão até a Acrópole, levando um grande manto tecido pelas melhores tecelãs e fiandeiras da cidade; os jovens montavam fogosos cavalos; e, os mais velhos, traziam ramos de oliveiras para ofertar à deusa.
Nas festas Cálceas, Atena era homenageada juntamente com Hefestos. Ela como artesã e fiandeira dos mais belos bordados, ele como o artesão dos deuses, para quem confeccionava objetos de bronze e belas jóias. Na lenda que envolve os deuses, Hefestos deixara-se abater por uma grande paixão por Atena, mas foi repudiado pela deusa, que insistia em manter a sua castidade. Sedento de desejo, o deus a perseguiu, tentando violá-la. Ao encostar-se à pele macia de Atena, Hefestos não resistiu, ejaculando precocemente sobre a coxa da deusa. Satisfeito, ele partiu. Sentindo grande repugnância, a deusa limpou o sêmen com um pedaço de lã, atirando o pano ao chão. O fruto da violência de Hefestos fecundou Gaia, a Terra, que gerou um ser monstruoso, metade homem, metade serpente, sendo chamado de Erictônio. A deusa encerrou a criança monstro em um cofre, deixando-o aos cuidados da princesa Aglauro, filha de Cécrope, o rei fundador de Atenas. Aglauro teria sido transformada em pedra pelo deus Ares, deixando o cofre sozinho, sendo este encontrado pelas irmãs da princesa petrificada. Quando abriram o cofre, as princesas enlouqueceram ao ver o monstro recém-nascido, atirando-se do alto da Acrópole. Uma gralha branca assisitiu ao infortúnio das filhas de Cécrope, indo relatar a tragédia a Atena, que se encontrava no meio de uma batalha. No calor da luta, Atena revoltou-se, tingindo de negro as penas da ave, proibindo que as gralhas voltassem às proximidades de Atenas. A lenda evidencia a importância que o mito de Atena dá ao culto da castidade, preservada mesmo diante do assédio dos deuses.
Atena e Afrodite eram homenageadas simultaneamente durante as Arreforias, pelas jovens mulheres de Atenas. Durante a festa, as virgens prestavam homenagens à deusa casta, seguindo depois com oferendas à deusa do amor. Traduzida como festa do orvalho, unia o elemento feminino que revelava a vida da jovem mulher, ainda casta como Atena, mas pronta para ser iniciada nas malhas da proteção de Afrodite, a deusa do amor.
As Asquiforias, ao contrário das Arreforias, eram celebradas pelos rapazes, homenageando Atena e Dioniso (Baco). Eram realizadas quando as uvas começavam a amadurecer. Os rapazes levavam do templo do deus do vinho, ramos de videira ao santuário de Atena.
Havia ainda outras duas festas em homenagem à deusa da sabedoria, as Plintarias, que davam início às colheitas da primavera; e, as Esquiroforias, onde os participantes usavam guarda-sóis, simbolizando a proteção, assim como o orvalho, que protegia a lavoura contra a seca.

Representações de Atena nas Artes

Nas artes, Atena teve grandes representações, sendo mais significativas as esculturas atribuídas a Fídias (500? a.C. – 432? a.C.). Nenhuma escultura original chegaria aos tempos atuais, tendo apenas cópias. No maior templo consagrado à deusa, o Partenon, em Atenas, encontrava-se a Atena Partenos, escultura de Fídias, toda feita em ouro e marfim. A deusa é representada vestida com uma túnica, aberta em um dos lados, apertada na cintura. No peito tem a égide guarnecida de escamas, ladeada por serpentes, trazendo a cabeça da Górgona no centro. Na cabeça traz um capacete com a esfinge e dois grifos, animais metade leão, metade águia. Na mão esquerda porta a lança e o escudo, onde está representado o combate dos gregos contra as Amazonas; atrás do escudo a figura do monstro Erictônio. O braço direito está estendido para frente, sustentando uma pequena Nique (Vitória) alada, posta obliquamente, parecendo voar à frente da deusa. Uma versão moderna da estátua foi erigida na frente do parlamento austríaco.
Fídias representou a deusa sem armas, com expressão doce e graciosa, na estátua Atena Lemnia. Outra estátua atribuída ao famoso artista grego era a enorme Atena Promachos, que trazia a expressão bélica e altiva da deusa.
Outra representação famosa do mito, já com o seu nome na mitologia romana, é a renascentista têmpera sobre tela, “Minerva e o Centauro”, de Sandro Botticelli. A lenda de Aracne produziu grandes pinturas, como a de René Houasse.
As primeiras estátuas de Atena eram chamadas de paládios, onde se dizia, eram feitas com pedras caídas do céu. Outras representações do mito podem ser encontradas em objetos de cerâmica e potes de barro.

Minerva, a Deusa da Vitória Romana

Em Roma, o mito de Atena foi identificado com o de Minerva. Os romanos veneravam a deusa como protetora da oliveira, médica, divindade da vitória, inspiradora dos políticos e dos poetas.
Minerva recebia o culto de diversos poetas romanos, que se reuniam alegando receber inspiração da deusa. Grandes políticos prestavam cultos à deusa, como o imperador Augusto (63 a.C. – 14 d.C.), que lhe erigiu um templo na entrada da Cúria Júlia, onde era reunido o senado. Para os políticos romanos, a deusa inspirava sabedoria e bons conselhos aos senadores.
As festas mais famosas em honra a deusa eram chamadas de Minervais, ou Quinquatria. Durante as comemorações da festa, os estudantes ofereciam prendas aos professores, chamando os presentes de minerválias. Ainda na ocasião comemorativa, os principais lugares intelectuais da cidade eterna, como as escolas, os tribunais e as academias, permaneciam fechados, indo os seus membros homenagear a deusa.
Com o tempo, Minerva foi uma das deusas que mais perdeu as características romanas, assimilando por completo os traços helenísticos da deusa Atena. Nas artes, os artistas latinos limitaram-se a buscar inspiração nas lendas da deusa grega. Em Roma, Minerva jamais conseguiu a importância de Marte, outro deus bélico, que foi assimilado ao Ares grego. Ao contrário da civilização grega, que contrapunha a sabedoria e a estratégia bélica de Atena à destruição sanguinária e sem sentido do cruel Ares.


POEMAS LUSITANOS

dezembro 31, 2010

Portugal, último pedaço de terra da Europa ocidental. Ao longe… o mar! Pátria dos destemidos navegantes, que rasgando os oceanos, levou a língua e o sentimento lusitano para terras desconhecidas.
Portugal do fado. Da poesia. Da saudade. Tão estranha e solitária palavra, só existente em língua portuguesa, porque a saudade é genuinamente lusitana.
Das vinhas do Douro às cortiças do Alentejo, das ruas de Alfama aos labirintos noturnos do Bairro Alto. Em cada canto um poeta, utilizando da velha língua extraída da extinção do latim, do paganismo eclético, do cristianismo asséptico.
Portugal e sua gente eternamente saudosista, do ontem que se foi, do hoje que se esvai e do amanhã que se esgotará. Porque a saudade portuguesa é lei, é identidade, é a essência de um povo que sorri com as lágrimas.
Terra de grandes poetas, que destilam nas suas palavras a emoção à flor da pele, as dúvidas da existência, a constatação da vida.
Neste artigo faremos uma visita breve aos poemas lusitanos, aos poetas que ecoaram as suas palavras pelos quatro cantos do solo português. Da coragem épica de Luís de Camões, navegaremos pelo oceano do pai de todos os poetas de língua portuguesa. Da ribeira secular da cidade do Porto, atravessaremos o mar lírico de Sophia de Mello Breyner Andresen. Das montanhas geladas transmontanas, escalaremos as palavras de Miguel Torga. Da Lisboa eterna, cruzaremos as ruas estreitas do existencialismo de Fernando Pessoa e de David Mourão-Ferreira. Da beleza agreste do Alentejo, arrebataremos a poesia passional de Florbela Espanca. Do coração da Coimbra histórica, beberemos a mais doce melancolia de Al Berto.
Poetas lusitanos. As suas palavras dispensam qualquer análise, qualquer apresentação formal. Foram escritas para que sejam sentidas, na mais pura essência da emoção, do encontro do leitor com a alma do poeta.

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades – Luís de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Mais Triste do Que o Que Acontece – Fernando Pessoa

 

Mais triste do que o que acontece
É o que nunca aconteceu.
Meu coração, que o entristece?
Quem o faz meu?

Na nuvem vem o que escurece
O grande campo sob o céu.
Memórias? Tudo é o que esquece.
A vida é quanto se perdeu.
E há gente que não enlouquece!
Ai do que em mim me chamo eu!

Saudades – Florbela Espanca


Saudades! Sim… talvez… e porque não?…
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?… Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem me dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

Réquiem Por Mim – Miguel Torga

Aproxima-se o fim.
E tenho pena de acabar assim,
Em vez de natureza consumada,
Ruína humana.
Inválido do corpo
E tolhido da alma.
Morto em todos os órgãos e sentidos.
Longo foi o caminho e desmedidos
Os sonhos que nele tive.
Mas ninguém vive
Contra as leis do destino.
E o destino não quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caísse de pé, num desafio.
Rio feliz a ir de encontro ao mar
Desaguar,
E, em largo oceano, eternizar
O seu esplendor torrencial de rio.

Há-de Flutuar Uma Cidade… – Al Berto

há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu… como seriam felizes as mulheres
á beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos… sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta… dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci… acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade

Paira à Tona de Água – Fernando Pessoa

Paira à tona de água
Uma vibração,
Há uma vaga mágoa
No meu coração.

Não é porque a brisa
Ou o que quer que seja
Faça esta indecisa
Vibração que adeja,

Nem é porque eu sinta
Uma dor qualquer.
Minha alma é indistinta
Não sabe o que quer.

É uma dor serena,
Sofre porque vê.
Tenho tanta pena!
Soubesse eu de quê!…

Escada em Caracol – David Mourão-Ferreira


É uma escada em caracol
e que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa do chão.

Os degraus, quanto mais altos,
mais estragados estão.
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.

Quem tem medo não a sobe.
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
o lastro do coração.

Sobe-se numa corrida.
Corre-se perigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.

Tarde Demais – Florbela Espanca

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E para o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar…

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia de oiro dos desertos
Procurara-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu era nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
Porque chegaste tarde, ó meu Amor?!…

Súplica – Miguel Torga

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto,
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria…
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Quando – Sophia de Mello Breyner Andresen

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.

Na Véspera de Nada – Fernando Pessoa

Na véspera de nada
Ninguém me visitou.
Olhei atento a estrada
Durante todo o dia
Mas ninguém vinha ou via,
Ninguém aqui chegou.

Mas talvez não chegar
Queira dizer que há
Outra estrada que achar,
Certa estrada que está,
Como quando da festa
Se esquece quem lá está.

Fotos: José Luís Mendes (1 Odisseia), Helena Margarida Pires de Sousa (2 Andei Léguas de Sombra), CrisSant (3 Vergonha), Daniel Pedrogam (4 In My Dreams, I Found Someone Like You), Marvimm (5 Única Saída), Thiago Phelipe (6 – , 7 A Carta), Paulo César (8 Faz-me Voar, 10 O Sabor da Tua Pele no Céu da Minha Boca), Gonzales (9 Untiled), Ugly (11 Apple Tree), DDiArte (12 Brainstorming)