HOMERO – A GRANDE EPOPÉIA UNIVERSAL

novembro 29, 2009

Homero é o mais antigo poeta grego, sendo as suas obras, “Ilíada” e “Odisséia”, a maior descrição da mitologia e dos seus deuses. Considerado o poeta mais antigo do mundo ocidental, Homero tem a sua biografia repleta de dúvidas, fatos obscuros, inclusive o de que poderia nunca ter existido. Não se sabe data e local do seu nascimento, sendo o século VII a.C. a mais provável.
As epopéias “Ilíada” e “Odisséia”, que relatam com beleza singular e grandiosidade heróica a Guerra de Tróia, teriam surgido no século VII a.C., e são atribuídas a Homero, um rapsodo cego e nômade, que através das tradições orais passadas de geração em geração, teria construído tão importante obra literária.
A vida historicamente obscura de Homero, suscitou várias versões ao longo dos tempos. Várias cidades gregas, como Esmirna, Atenas, Rodes, Ítaca e Argos, reclamam para si o local de nascimento do poeta. Sem documentos que comprovem a sua existência, estudiosos da sua obra, na tentativa de esclarecerem as suas origens, compuseram a famosa “Questão Homérica”.
Na tradição mais constante, Homero era filho de Creteidas, jovem que fora seduzida e em seguida, teria engravidado. De vida voltada às artes, participava das festas dionisíacas, onde recitava poemas aos deuses. Na juventude, era chamado de Melesígenes. Após uma enfermidade que lhe tirou a visão, passou a ser chamado de Homero, que significava “aquele que não vê”. Cego, ele andava de cidade em cidade, recitando em pé, no meio da multidão, os seus poemas.
Se existiu ou não, os épicos “Ilíada” e “Odisséia” , são obras de rara beleza, que se tornaram conhecidas em todo o ocidente, influenciando a cerca de vinte e cinco séculos, os maiores escritores ocidentais, entre eles Virgílio, Luís de Camões e James Joyce. As obras contribuíram até mesmo para que se comprovasse fatores históricos, como a existência de Tróia. Baseados nos relatos de Homero, arqueólogos do século XIX encontraram várias Tróias em suas escavações. A universalidade das obras faz delas ilimitadas diante do tempo e do espaço. Sem registros de uma Grécia perdida nas suas crenças e tradições pré-arcaicas, a “Ilíada” e a “Odisséia” compilam a origem dos deuses olímpicos e de como eram cultuados pelos helenos. Pela riqueza dos detalhes descritos, tornam-se as maiores fontes existentes da mitologia grega, e, faz de Homero, o maior escritor da antiguidade, e um dos maiores do mundo.

A Grécia de Homero

Para que se perceba a vida existente ou não de Homero, é preciso que se tenha um pouco de noção da história da própria Grécia. Entre os séculos XV a.C. e X a.C., deu-se o que se chamou de período pré-homérico ou micênico. Foi quando os primeiros povos indo-europeus, chamados de aqueus, chegaram à Grécia, onde fundaram diversas cidades que atingiriam grande prosperidade. Entre elas Micenas, Tirinto e Pilo.
No encontro dos habitantes de Micenas com os da ilha de Creta, originou-se uma importante civilização cultural antiga, a creto-micênica. No decorrer dos séculos, outros povos chegaram às terras gregas, como os jônios e os cólios, sendo fundada a cidade de Atenas.
Quando da invasão dos dórios, que fundaram a cidade de Esparta, a civilização creto-micênica foi totalmente destruída, pondo fim ao período micênico. Nesse momento histórico, eclodiu a famosa Guerra de Tróia, que teria durado dez anos e culminado com a destruição da cidade pelos gregos. A Guerra de Tróia, tornou-se lendária, sendo oralmente contada pelas gerações gregas. Seria o tema principal das epopéias “Ilíada” e “Odisséia”.
Com o fim do período micênico, surgiria o chamado período homérico ou arcaico, entre os séculos IX-VI a.C. Seria marcado pelo início da colonização grega aos dois lados do Mar Egeu, Mediterrâneo e Mar Negro; dada a expansão do comércio marítimo; o desenvolvimento das cidades Estados; e, a adoção do alfabeto fenício, introduzindo a escrita na Grécia.
O ano de 850 a.C., é tido como a data mais provável do nascimento de Homero. Muitas são as versões sobre a vida do poeta, sendo questionada inclusive a sua existência, por falta de comprovação de documentos históricos. O historiador grego Heródoto (século V. a.C.), fixou a data do nascimento do poeta quatrocentos anos antes da sua, entre os séculos IX e VIII a.C. O local teria sido algum lugar da Jônia, antigas terras gregas na costa ocidental da Anatólia. Mas outras cidades gregas reivindicam para si o local do nascimento de Homero, entre elas Atenas, Quios, Esmirna, Ítaca, Rodes, Argos e Pilos.
Uma das versões da vida de Homero afirma que ele é natural de Quios ou Esmirna. Era um homem de origem humilde e plebéia, que viajou por todos os cantos da Grécia antiga, anotando nomes e costumes dos lugares, adquirindo grande sapiência sobre a cultura da sua gente. Por onde passava, recebia hospedagem, pela qual pagava recitando poemas. Em uma das suas viagens, quando retornava da Ítaca para Esmirna, foi acometido por uma doença nos olhos, que o teria levado à cegueira. Desde então, o nome Homero, “aquele que não vê”, teria sido dado a ele.
Várias são as versões da sua morte, a mais difundida é a de que teria ocorrido em uma das ilhas Cíclades. Segundo Heródoto, teria morrido em Íos, durante uma viagem para Atenas.

Hino Homérico a Ártemis – Homero

Eu canto Ártemis das flechas de
ouro, de marcha retumbante,
casta donzela, audaz caçadora,
irmã de Apolo do gládio de ouro,
que caminha pelas sombras
dos bosques e pelas rochas
imponentes, lançando no ardor
da caça setas que fazem gemer
os ares. Os cumes das altas
montanhas tremem e os bosques
ressoam com a voz das feras que
ela persegue. A terra e o mar
piscoso tremem quando, presente
em vinte lugares, a deusa se
lança, intrépida, nessa marcha
exterminadora. Quando está
saciada e o coração acalmado
consente em descansar, deixa o
arco tenso e visita seu irmão
Apolo na rica morada de seu
santuário em Delfos. Ali preside
o coro das Musas e das Graças,
deixando de lado flechas e arco.
Cobrindo com vestes de grande
beleza sua carne imortal,
coloca-se à frente do coro e
conduz a dança, enquanto essas
deusas de belas vozes cantam,
louvando suavemente Leto e sua
história , como ela deu à luz
dois filhos, os primeiros deuses
tanto no conselho como na
ação!

A Questão Homérica

A inexistência de comprovação histórica de Homero, as várias versões sobre a sua vida, as lendas ao seu redor, suscitaram grandes dúvidas, chamadas de “Questões Homéricas”, que apesar de exaustivamente estudadas e debatidas, até hoje não foram respondidas.
Muitos defendem a versão de que Homero não seria o autor da “Ilíada” e da “Odisséia”, mas um compilador, que reuniu vários poemas anônimos, pequenas canções populares, transmitidas oralmente, e que ele transformou em uma unidade literária.
Outra corrente da “Questão Homérica”, sustenta a versão de que Homero seja um nome coletivo, e que as suas epopéias teriam sido escritas por dois ou mais poetas. Um deles teria criado o núcleo primordial dos poemas, tendo sido desenvolvidos por outro (s), o que explicaria as variações de estilos entre a “Ilíada” e a “Odisséia”, acusada por muitos estudiosos.
Há a corrente que admite uma homogeneidade nas obras, pela sua temática, estilo épico, descrição dos deuses e dos costumes helênicos, e que teriam sido escritas em períodos diferentes, a “Ilíada” na juventude plena de Homero, e a “Odisséia”, já no crepúsculo da sua velhice, o que explicaria uma evolução na escrita de uma obra para a outra.
A corrente que nega a existência de Homero questiona como uma só pessoa poderia ter escrito as obras, visto que na época atribuída ao nascimento e vida do poeta, não haveria escrita na Grécia. Estudos arqueológicos apontam para o ano de 750 a.C. o fim das trevas e a adoção da escrita pelos helenos, cem anos depois do nascimento de Homero. Os documentos literários mais antigos encontrados na Grécia datam do século IV a.C., significando que antes, os poemas de Homero só eram conhecidos oralmente, sendo recitados nas grandes festas e manifestações do povo grego. Sem a escrita, dificilmente as epopéias homéricas poderiam ter sido elaborados no período que se atribuí à existência do poeta.

Prece a Ares – Homero

Ares audacioso, Ares sob o qual se dobra teu
carro, Ares do capacete de ouro, Ares do coração
indomável, Ares do escudo, Ares salvador das
cidades, Ares encouraçado de bronze, Ares da
mão poderosa, Ares infatigável, Ares da forte lança,
Ares muralha do Olimpo, Ares pai da vitória,
Ares auxiliar de Têmis, Ares que subjugas os
rebeldes e comandas os justos na paz, ó príncipe
do valor guerreiro, cujo globo refulgente gira
entre os sete astros que cumprem sua trajetória
sobre nossas cabeças, cuja órbita, percorrida por
teus cavalos de fogo, ocupa o terceiro lugar no céu,
escuta, ó socorro dos mortais de quem a juventude
obtém a bravura como dom, lá do alto ilumina com
pacífico fulgor o curso de minha existência. Que um
favor digno de Ares, preservando-me da covardia,
não deixe também de reprimir em minha alma
a impetuosidade que a faz perder-se e de conter
a paixão que me leva às contendas cruéis
das batalhas. Dá-me, bem-aventurado olímpico,
ao mesmo tempo que a coragem, a graça de viver
em paz na segurança das leis, e de escapar
aos assaltos dos maus e aos estímulos da violência.

As Obras de Homero

Mesmo diante de tantas questões, contradições e dúvidas históricas sobre Homero, as obras atribuídas a ele tornaram-se referência na literatura ocidental, sendo lidas, apreciadas e estudadas em todo o mundo; influenciando por mais de dois mil e quinhentos anos, vários autores e poetas.
A “Ilíada” relata o cerco de Tróia pelos gregos, a extensão da guerra, culminando com a destruição completa da cidade e a vitória helênica. A epopéia é centrada em Aquiles, o maior guerreiro da saga, sua cólera contra Agamenão, comandante do exército grego e a recusa em continuar a lutar; a dor do herói diante da morte do amigo Pátroclo, que sucumbiu sob a espada de Heitor, o mais valente dos heróis troianos; sua fúria e vingança contra o príncipe de Tróia, resultando em um sangrento combate mortal entre os dois. O ápice dá-se quando Aquiles exibe, como um troféu, o corpo de Heitor para os troianos. Príamo, pai do herói malogrado e rei de Tróia, vai até Aquiles e implora que lhe devolva o corpo do filho, para que possa prestar-lhe as honras funerárias, libertando a sua alma. No meio da guerra, o ódio dos homens confunde-se com os dos deuses. A guerra não é gerada somente pelos gregos, mas por seus deuses, criando uma divisão em todo o Olimpo.
A “Odisséia” exalta o herói grego Odisseu (Ulisses). Na Guerra de Tróia, ele representou não a força, mas o lado logístico e intelectual que sustentava a fúria dos guerreiros em combate. Foi de Odisseu a idéia e execução do plano do cavalo de pau, que presenteado aos troianos, abrigava no ventre oco de madeira, guerreiros gregos, que no fim da noite, quando todos dormiam, invadiram a cidade inimiga, abrindo as portas das suas muralhas, proporcionando o ataque final, destruindo Tróia e dando a vitória aos gregos. Na “Odisséia”, a astúcia do herói atrai para si a ira dos deuses que se puseram do lado dos troianos. Odisseu sonha em voltar para a sua terra, a Ítaca, encontrar a mulher amada, a bela Penélope, e o filho Telêmaco. No retorno, o seu navio será jogado por ventos furiosos enviados pelos deuses, no meio de mares desconhecidos, fazendo com que erre perdido por vinte anos. Mais complexa do que a “Ilíada”, a “Odisséia” reflete a inteligência grega diante da sua expansão. A dimensão das personagens ultrapassa a dos deuses, fazendo-a humana, distante do heroísmo latente da primeira obra.
Além da “Ilíada” e da “Odisséia”, outras obras são atribuídas ao poeta grego: os “Hinos Homéricos”, uma coleção de 34 hinos; o poema “Margites”; e, a paródia épica “Batracomaquia”. Novamente as contradições sobre Homero, fazem com que algumas correntes duvidem de que as obras foram escritas por ele.
As obras de Homero trazem a tona o período mais remoto da civilização helênica. A Guerra de Tróia demarca o fim do período micênico. Os poemas homéricos tornaram-se parte da história antiga grega, sendo popularizados durante toda a antiguidade. Platão (428?427? – 348?347? a.C.) classificou Homero como “o educador da Grécia”. Sua poesia, na falta de um livro sagrado, serviu para os gregos antigos cultivarem a sua religião e conhecessem os seus deuses. Universalmente, a sua obra exibe o mais antigo dos poetas ocidentais, e a essência das raízes literárias. Homero é o pai da poesia. As contradições sobre a sua existência contribuem para a mítica que se delineou em torno da obra que lhe foi atribuída. Suas epopéias são as mais belas de toda a antiguidade. E as mais definitivas.

Hino às Musas e a Apolo – Homero


Apolo, Zeus, pois é das
Musas que procedem, aqui,
na terra, os cantos e os
concertos da lira, assim
como de Zeus procedem
os reis. Bem-aventurado
aquele que ama as Musas:
de sua boca esparge-se,
pela voz, a doçura.
Salve, filhos de Zeus,
honrai o meu canto. Entre
os outros hinos,
dedicarei um a vós.