O DECÁLOGO

abril 29, 2010

Também conhecido como os Dez Mandamentos, o Decálogo, literalmente as dez palavras, constitui a página mais sagrada da Torá judaica, ou do Velho Testamento cristão. Constitui a essência da Lei que une o homem aos princípios estabelecidos por Deus, selando a aliança entre o humano e a divindade.
Tradicionalmente, o Decálogo teria sido escrito em tábuas de pedra, pelo dedo de Deus, e entregue a Moisés no monte Horeb, ou Djebel Musa (Montanha de Moisés), no sul da península do Sinai, atual Egito. Moisés permanecera por quarenta dias no monte, ao retornar com o par de tábuas, encontrou os israelitas a idolatrar um bezerro de ouro. Furioso, o profeta teria quebrado as tábuas originais, em protesto e indignação. Outras tábuas teriam sido escritas por Deus, sendo estas postas na Arca da Aliança, ali permanecendo até 586 a.C., quando o Templo em Jerusalém foi destruído pelos babilônios, e os documentos perdidos para sempre.
Escritos no livro do “Êxodo”, no capítulo 20, nos versículos de 2 ao 17, são repetidos novamente em Deuteronômio 5:6-21. Na sua essência, legislam o amor a Deus e ao próximo, através de condutas morais que melhoram o homem, aproximando-o do bem e do amor aos que se lhe circulam e ao próprio Deus criador. É renovada a Aliança estabelecida entre Abraão e Deus, fazendo da Lei a diferença entre o povo escolhido e o restante dos outros povos. A Lei ajudará os israelitas a enfrentar os povos que se lhe são hostis, mas também se voltará contra eles, quando não seguidas. Prepara o povo escolhido para ser redimido, e através dos israelitas, a própria humanidade será redimida. É o princípio do messianismo judaico, de onde surgirá Jesus Cristo, e as bases do cristianismo.
O Decálogo define os princípios básicos da moral judaico-cristã, assim como toda a extensão da moralidade contemporânea ocidental, e a formação da ética como ciência moderna. As Leis ditadas por Deus são temporais, avançando conforme a evolução da própria civilização que as recebeu, sem jamais perder o vínculo com Javé, o Deus israelita que as estabeleceu. Se a forma de adoração ao criador, assim como o dia da semana a ser tomado como sagrado, mudou conforme a evolução das religiões monoteístas, princípios básicos, que defendem o homem de si mesmo, como não matar ou levantar falso testemunho; garantem o amor ao próximo e a própria essências das leis civis, dando consistência perene aos dez mandamentos.

Moisés e as Tábuas da Lei

Abraão, fiel seguidor de Deus, recebeu como recompensa uma prole abençoada, que se tornaria o povo eleito do criador na Terra. Jacó, neto de Abraão, teria doze filhos, dando origem às tribos israelitas. Dispersos e escravizados no Egito, os israelitas foram conduzidos por Moisés à Terra prometida. A jornada estender-se-ia por longos e penosos quarenta anos, através do deserto que se abria hostil.
Teria sido no período de êxodo do Egito e peregrinação pelo deserto, que se estabeleceria o pacto entre Deus e o povo israelita. No sul da península do Sinai, Moisés foi convocado por Deus a subir os 2500 metros do monte Horeb, uma das três montanhas que formam o conjunto do Sinai. Ali permaneceria por quarenta dias, recebendo a manifestação direta da presença divina.
Deus apresentou-se a Moisés, revelando-lhe o nome sagrado, YHWH (Javé), pelo qual seria reconhecido, amado e respeitado. Estabelecia com os israelitas a Aliança, fazendo deles a nação escolhida entre todos os povos, destinada a redimir a imperfeição humana, e alcançar as promessas divinas estabelecidas desde a criação no jardim do Éden. Para que os israelitas se firmassem como nação escolhida por Deus e professarem o seu nome e as suas promessas, teriam que seguir leis que os diferenciasse dos demais. As leis trariam o benefício da proteção divina, mas deporiam contra eles, caso não fossem cumpridas. A Lei era o princípio que redimia, mas também o que destruía, caso não se cumprisse o pacto ali estabelecido.
Por quarenta dias, Deus escreveu em um par de tábuas de pedra, as leis que estabeleciam com os israelitas o pacto sagrado. Terminado o processo de expiação, Moisés retornou do alto do monte Horeb, reencontrado o seu povo, acampado ao pé das três montanhas do Sinai. Perdidos, pensando que o seu profeta maior os abandonara, os hebreus fundiram o seu ouro em um bezerro, tomando-o como adoração. Diante da blasfêmia, Moisés quebrou as tábuas da lei escritas por Deus, prostrando-se diante do criador, pedindo-lhe o perdão. Após a punição aos responsáveis pelo sacrilégio, Deus escreveria outro par de tábuas. A segunda versão das tábuas seria posta em um arca, tida como sagrada. A arca seria levada à frente do povo judeu, fazendo com que enfrentasse todas as diversidades e guerras, até que o povo eleito tomasse posse de Canaã, a Terra Prometida. Estava estabelecida a Aliança entre Deus e o povo de Israel.

O Texto do Decálogo

As tábuas da Lei permaneceriam dentro da Arca da Aliança, que por sua vez, seria guardada em Jerusalém, no Templo construído pelo rei Salomão. Durante o esplendor dos reis israelitas, era o símbolo visível da manifestação de Deus e da sua proteção ao povo escolhido. Em 586 a.C., quando a Judéia foi tomada pelos babilônios, e o primeiro Templo destruído, a Arca desapareceu, sem jamais ser localizada.
Às duas tábuas perdidas, escritas pelo dedo de Deus, e que traziam os dez mandamentos, foram acrescentados outros ensinamentos, ditados e escritos em pergaminhos por Moisés, estabelecendo as leis Mosaicas, compostas por 613 mandamentos, que deveriam ser seguidos por tempo indeterminado, constituindo a distinção dos israelitas ante as outras nações, e selando a aliança com Deus.
Conhecido como dos Dez Mandamentos, a Lei entregue a Moisés está registrada na Torá hebraica, no livro Chemol; ou no Antigo Testamento cristão, no livro Êxodo. Neste livro, o capítulo 20 descreve, ao longo dos versículos de 2 a 17, a Lei que representa a harmonia entre o homem e Deus.

2. Eu sou Javé teu Deus que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.
3. Não terás outros deuses em oposição a mim.
4. Não farás para ti imagem esculpida nem figura do que há em cima no céu, nem do que há em baixo na terra, nem do que há nas águas em baixo da terra.
5. Não adorarás tais coisas, nem lhes servirás. Eu, Javé, teu Deus, sou um Deus zeloso, que vinga a iniqüidade dos pais nos filhos, netos e bisnetos daqueles que me odeiam
6. e que usa da misericórdia até mil gerações com aqueles que me amam e guardam os meus preceitos.
7. Não tomarás o nome de Javé teu Deus para uma coisa vã, porque não inocentará Javé aquele que transportar o seu nome para uma coisa vã.
8. Lembra-te do dia de sábado para o santificar.
9. Durante seis dias trabalharás fazendo todas as tuas obras.
10. O sétimo dia é um sábado para Javé. Não farás nele obra alguma, nem tu, nem teu filho, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu animal, nem o hóspede que está dentro das tuas portas.
11. Em seis dias Javé fez o céu e a terra, o mar e tudo o que nele existe, descansando no sétimo dia. Por isso Javé abençoou o sábado e o santificou.
12. Honra teu pai e tua mãe, a fim de que se prolonguem os teus dias sobre a terra que Javé, teu Deus, te dará.
13. Não matarás.
14. Não cometerás adultério.
15. Não furtarás.
16. Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo.
17. Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu touro, nem seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença.

Êxodo 20:2-17

Os Dez Mandamentos na Divisão Judaica e na Cristã

Dezesseis versículos do Êxodo (20:2-17), formam os dez mandamentos, que no seu registro apresenta mais do que dez afirmações, fixando entre catorze ou quinze. O historiador judaico-romano, Flávio Josefo (37?38?-100 d.C.), em suas “Antiguidades Judaicas”, fixa a partir do versículo 3, o primeiro mandamento; os versículos 4 a 6 como o segundo mandamento; o versículo 7 como terceiro mandamento; os versículos 8 a 11 como o quarto mandamento; compondo os versículos de 12 a 17, respectivamente, os seis mandamentos restantes.
Na passagem do Êxodo, não sê lê como os dez mandamentos as leis recebidas por Moisés. O termo deriva da frase hebraica aseret had’varim, traduzida como as 10 palavras, afirmações ou coisas. O Decálogo também não é lido de forma idêntica pelo judaísmo e pelo cristianismo, tendo até mais do que uma interpretação, ou divisão, nas diversas correntes cristãs.
Compilando o texto, originalmente escrito em hebraico, teremos as seguintes denominações dos dez mandamentos:

Divisão Judaica

1 – Eu sou o Senhor, o teu Deus
2 – Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti nenhum ídolo
3 – Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus
4 – Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo
5 – Honra teu pai e tua mãe
6 – Não matarás
7 – Não cometerás adultério
8 – Não furtarás
9 – Não darás falso testemunho contra o teu próximo
10 – Não cobiçarás a mulher e a casa do teu próximo

Divisão Cristã (Católica e Luterana)

1 – Eu sou o Senhor, o teu Deus. Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti nenhum ídolo
2 – Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus
3 – Lembra-te do dia de domingo, para santificá-lo
4 – Honra teu pai e tua mãe
5 – Não matarás
6 – Não cometerás adultério
7 – Não furtarás
8 – Não darás falso testemunho contra o teu próximo
9 – Não cobiçarás a mulher do teu próximo
10 – Não cobiçarás a casa do teu próximo

Divisão Cristã (Ortodoxa)

1 – Eu sou o Senhor, o teu Deus. Não terás outros deuses além de mim
2 – Não farás para ti nenhum ídolo
3 – Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus
4 – Lembra-te do dia de domingo, para santificá-lo
5 – Honra teu pai e tua mãe
6 – Não matarás
7 – Não cometerás adultério
8 – Não furtarás
9 – Não darás falso testemunho contra o teu próximo
10 – Não cobiçarás a mulher do teu próximo e não cobiçarás a casa do teu próximo

Divisão Cristã (Anglicana, Presbiteriana e outras)

Prefácio – Eu sou o Senhor, o teu Deus
1 – Não terás outros deuses além de mim
2 – Não farás para ti nenhum ídolo
3 – Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus
4 – Lembra-te do dia de domingo, para santificá-lo
5 – Honra teu pai e tua mãe
6 – Não matarás
7 – Não cometerás adultério
8 – Não furtarás
9 – Não darás falso testemunho contra o teu próximo
10 – Não cobiçarás a mulher do teu próximo e não cobiçarás a casa do teu próximo

Divisão Cristã (Adventista do Sétimo Dia)

Prefácio – Eu sou o Senhor, o teu Deus
1 – Não terás outros deuses além de mim
2 – Não farás para ti nenhum ídolo
3 – Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus
4 – Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo
5 – Honra teu pai e tua mãe
6 – Não matarás
7 – Não cometerás adultério
8 – Não furtarás
9 – Não darás falso testemunho contra o teu próximo
10 – Não cobiçarás a mulher do teu próximo e não cobiçarás a casa do teu próximo

O Decálogo, Poucas Divergências Entre Judeus e Cristãos

A Lei recebida por Moisés, estabelecia o princípio messiânico, que ao diferenciar o povo israelita das demais nações, preparava-o para receber o messias, que o conduziria à humanidade redimida. Na visão do cristianismo, o messianismo judaico teria sido concretizado, e, novas leis estabelecidas.
Objetivamente, Jesus Cristo seguiu todas as tradições judaicas. Profundo conhecedor das leis mosaicas, sempre as chancelou quando confrontado por situações pontuais. Quando questionado sobre as leis, reconheceu a todas, acrescentando-lhes o amor uns aos outros. Cristo questionou as tradicionais leis mosaicas dentro do envelhecimento que traziam mediante a evolução daquela civilização, como o apedrejamento das mulheres por causa do adultério, mas jamais deixou de ver como crime contra a Lei o próprio adultério.
Na questão do sábado, os sacerdotes do templo em Jerusalém, chegaram a manifestar desagrado porque Cristo fazia obras naquele dia. Ao que ele respondeu que não haveria dias santos para que se produzisse milagre e se proferisse a palavra de Deus. Foram raros os momentos que a Lei do Decálogo viesse em oposição aos ensinamentos de Jesus de Nazaré, pelo contrário, o messianismo ao qual se identificava, era a própria justificativa da existência de uma aliança dos homens com Deus, especificando um povo para segui-la.
Com a separação do cristianismo primitivo do judaísmo, o Decálogo perdeu pouquíssimo da sua essência judaica, sendo a santificação do sábado a mudança mais evidente. Os cristãos justificam a santificação do domingo, por ter sido o dia em que Cristo ressuscitara, e também o dia da descida do Espírito Santo, cinqüenta dias após a ressurreição. Assim, divergiu-se o dia sagrado para os judeus e cristãos, sem que se abolisse o princípio religioso e social de um dia santo para Deus e de descanso para o homem.
Essencialmente, os dez mandamentos sintetizam os princípios básicos do amor a Deus e ao próximo, o que faz com que o homem não se distancie de costumes morais que o distingue dos animais, protegendo-o contra a imperfeição social e contra a tendência destrutiva da alma. A justiça divina é estendida ao homem, trazendo-lhe um alento à inconstância perene, à insatisfação destrutiva, desenhando a moralidade básica da sociedade ocidental, que evolui constantemente, sendo obrigada a rever princípios. Mesmo cinco mil anos depois da compilação de Moisés, os dez mandamentos ainda continuam a ser a mais sólida base de toda a construção moral e ética da sociedade judaico-cristã.